quinta-feira, 29 de março de 2018

The Prussian Monarchy Stuff

by William S. Lind

Eu sou um monarquista, é claro, como todos os verdadeiros conservadores. O universo não é uma República.

Minha ligação específica com a Casa de Hohenzollern desenvolveu-se quando comecei a entender a maneira Prussiana-germânica de guerrear, e sua imensa diferença em relação à abordagem Franco/Americana. (...)
Mas é mais do que isso: sendo tanto um conservador culturalmente quando historiador, eu entendo que a última chance de sobrevivência de nossa civilização cristã ocidental pode ter sido uma vitória das Potências Centrais na Primeira Guerra Mundial.


Joseph-Marie, Comte de Maistre

Joseph-Marie, Comte de Maistre


French philosophical writer, b. at Chambéry, in Savoy, in 1753, when Savoy did not belong to France; d. at Turin, 26 Feb., 1821. His family, which was of French origin, had settled in Savoy a century earlier, and had attained a high position, his father being president of the Senate. Joseph, the eldest of ten children, was a pupil of the Jesuits, who, like his parents, inspired him with an intense love of religion and detestation of the eighteenth-century philosophical rationalism, which he always resolutely opposed. In 1774 he entered the magistracy; in 1780 he was assistant fiscal advocate general; in 1788 he was appointed senator, being then thirt-five years old. Four years later, he was forced to fly before the invading French, and discharged for four years at Lausanne a confidential mission for his sovereign, the King of Sardinia. That monarch having lost the capital of his kingdom, de Maistre lived in poverty at Venice, but on the restoration of the king, went to Sardinia as keeper of the great seal (1799) and, three years later, to St. Petersburg, as plenipotentiary. This mission lasted fourteen years, till 1817. Though weakly supported by his Government, which was at times displeased with his frankness, poor amidst a lavish aristocracy, he nevertheless successfully defended the interests of his country with the Czar Alexander, who, like most of the leading personages at St. Petersburg, highly appreciated his character and his ability. He afterwards returned to Turin, to fill the post of minister of State and keeper of the great seal until his death.

terça-feira, 27 de março de 2018

Americans give record $295B to charity

U.S. -- More Charitable Than Any Other Country

NEW YORK (AP) — Americans gave nearly $300 billion to charitable causes last year, setting a record and besting the 2005 total that had been boosted by a surge in aid to victims of hurricanes Katrina, Rita and Wilma and the Asian tsunami.

domingo, 25 de março de 2018

Frase: Edmund Burke

"Os homens estão aptos para o exercício das suas liberdades e garantias na medida exata em que se disponham a impor grilhões morais às suas ambições; na medida em que o seu amor pela justiça se sobreponha à sua rapacidade; na medida em que a sanidade e a sobriedade da razão suplantem a sua vaidade e presunção, em que se disponham a dar ouvidos aos conselhos dos sensatos e dos bons, preferindo-os à lisonja dos velhacos. A sociedade não poderá existir a menos que sobre a vontade e a cobiça se exerça, algures, um poder de controle, e, quanto mais fraco ele for interiormente, mais forte terá de ser exteriormente. Está estabelecido na eterna constituição das coisas que os espíritos intemperados jamais poderão ser livres. As suas paixões forjam os seus grilhões”. 

 - Edmund Burke, Reflexões sobre a Revolução na França

segunda-feira, 19 de março de 2018

The “Fairy-Tale” Prince and the Five Surprises

by Stephen Masty


(...)
Here comes the first surprise: on the morning after the wedding, the groom turned to his bride and declared; “Now we must help each other to get to Heaven.” Not to win military battles or accede to thrones, or revel in luxury or bask in the world’s most elegant High Society with their movie-star good looks; for even coming from religious families, Karl and Zita were uncommonly committed Christians.

sábado, 17 de março de 2018

Russell Kirk: Dez Princípios Conservadores

Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões designado como conservadorismo não possui nem uma Escritura Sagrada nem um Das Kapital que lhe forneça um dogma. Na medida em que seja possível determinar o que os conservadores crêem, os primeiros princípios do pensamento conservador provêm daquilo que professaram os principais escritores e homens públicos conservadores ao longo dos últimos dois séculos. Sendo assim, depois de algumas observações introdutórias a respeito deste tema geral, eu irei arrolar dez destes princípios conservadores.

Talvez seja mais apropriado, a maior parte das vezes, usar a palavra “conservador” principalmente como adjetivo. Já que não existe um Modelo Conservador, sendo o conservadorismo, na verdade, a negação da ideologia: trata-se de um estado da mente, de um tipo de caráter, de uma maneira de olhar para ordem social civil.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Asterix ajuda a entender o capitalismo

Sérgio Domingues

Comparar Obelix e Companhia, de Goscinny e Uderzo, às obras de Marx, Engels, Lênin, Rosa, Trotski, Gramsci, não tem nenhum sentido. Mas, essa pequena obra-prima em quadrinhos merece a atenção de quem luta contra o capitalismo.

"Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos nos campos fortificados de Babaorum, Aquarium, Laudanum, e Petibonum...".

A apresentação acima acompanha todos os álbuns de Asterix, personagem do italiano Albert Uderzo e do francês René Goscinny. A série de 31 álbuns é um dos exemplos do que há de melhor na literatura em quadrinhos.

O que a introdução não explica é que os "irredutíveis" gauleses devem sua invencibilidade a uma poção mágica. A bebida dá aos aldeões uma enorme força física e seus efeitos duram o suficiente para destruir qualquer tentativa romana de conquistar a aldeia. Esta, na verdade, simboliza o nacionalismo francês.

Cada álbum da dupla é uma obra-prima feita de belos traços e cores, humor, roteiro, ironia, conhecimento histórico e muita inteligência. Mas um deles é tudo isso e ainda pode ser usado para mostrar como as relações capitalistas podem corroer laços comunitários de convivência. Trata-se de Obelix e Companhia.

A história começa com a imagem da fortificação de Babaorum, a mais próxima da aldeia gaulesa (Prancha 1-A). As legiões romanas, famosas por sua disciplina e dedicação, estão entregues à mais terrível indisciplina e ao mais completo ócio. Só esperam a chegada das legiões que ficarão em seu lugar. As razões? A desmoralização diante das sucessivas surras tomadas dos gauleses.

Vou fazer algumas observações a que chamarei de parênteses. Os leitores que os acharem desnecessários ou quiserem tirar suas próprias conclusões, podem seguir o texto principal sem prejuízos para a compreensão da história.

Enquanto isso, César, em Roma, está desesperado por uma saída para o impasse diante da aldeia de Asterix. Convocou senadores e patriarcas para aconselhá-lo na tarefa. Dentre estes, está Regius Velhacus, recém formado pelo "reformatório de ensino superior". Ele propõe a César derrotar os gauleses por meios não militares. Através da corrupção pelo ouro. César se interessa.

Mas, um dos presentes discorda. Diz que o melhor ainda é a boa e velha força bruta. Ao ouvir isso, César diz a ele: "Sim, Pediculus, eu me lembro! Você era um jovem tribuno corajoso, audaz, até pensava nos problemas do povo...Agora, com o ouro dos saques, veja em que você se transformou!" Depois, dirigindo-se a todos: "Sim! Vejam o que o ouro, as vilas, as orgias, as comissões na compra de armas fizeram de vocês! Gordos e decadentes!..." (Prancha 9-A)

César vira-se para Velhacus e pergunta: "Você acha que pode transformar aqueles gauleses em algo parecido com isso?", apontando para os gordos patriarcas. A resposta: "Pode crer! Eles vão lutar por outra coisa e nunca mais para defender sua aldeia!" (9-B).

Os primeiros parênteses: há, nos Estados Unidos, quem defenda um modo mais eficiente de acabar com o regime cubano do que o embargo econômico. Bastaria estabelecer as mais amplas relações comerciais com a ilha. O efeito corrosivo da presença dos produtos capitalistas mais avançados colocaria por terra um sistema de poder que usa como pretexto a penúria a que o povo cubano foi condenado pela brutalidade norte-americana. Esta aventura de Asterix poderia dar razão à tese.

Velhacus parte para a Gália. Por acaso, encontra Obelix na floresta que separa a fortificação romana da aldeia gaulesa. Como sempre, o grande gaulês carrega um menir (1) de sua própria fabricação. Velhacus encontra o pretexto para por seu plano em ação. Compra o menir e pede para entregar mais um na fortificação romana no dia seguinte. Obelix faz mais um menir e o leva a Velhacus. Este lhe diz que vai pagar o dobro do que pagara pelo anterior. Diante do espanto de Obelix, o romano explica as razões do aumento nos seguintes termos: "... problemas de da economia, fluxo de oferta e demanda...reversão atípica das expectativas. Flutuação cambial...é complicado" (13-A).

Javali é o prato preferido na aldeia e o único item na gordurosa dieta de Obelix. Mas com o aumento das encomendas de menires, Obelix já não tem tempo para caçar. Se vê obrigado a oferecer dinheiro a um outro aldeão, Analgesix, para caçar javalis para ele.

Asterix estranha a intensa produção de menires e questiona Obelix. Este dá sua explicação nos termos em que aprendeu a pensar com Velhacus: "...Se a demanda for igual à quantidade de bens produzidos, divididos pela quantidade de moeda boa, multiplicada pela quantidade de moeda má que sai de circulação, os preços cairão" (15-B).

A vida da aldeia começa a entrar em colapso. Obelix recebe cada vez mais dinheiro de Velhacus. Passa a contratar gente para ajudá-lo na fabricação de menires. Ao mesmo tempo, outros aldeões são desviados de suas funções normais para caçar javalis. Estes são vendidos para quem não tem tempo de caçar por estar trabalhando para Obelix.

Ao sair para caçar, Asterix descobre que a floresta está apinhada de caçadores de javalis devido ao surgimento da troca de javalis por dinheiro.

As relações conjugais também não vão bem. Uma das mulheres da aldeia se insinua para Obelix, uma vez que ele comprou todo os belos tecidos do mercador que visita a aldeia regularmente. Obelix a contrata para fazer-lhe uma roupa. O marido cobra o almoço. Mas ela se nega a preparar a refeição porque está costurando para Obelix. "Como não posso contar com você, preciso arranjar um meio de ganhar dinheiro", diz ela. (23-B e 24-A).

Mais parênteses: o enredo mostra como a forma de troca de mercadorias entre os aldeões vai se alterando. Antes eram trocas entre produtores diferentes. O peixeiro comprava do ferreiro, mas este também seria fornecedor do peixeiro, quando ele precisasse de uma nova balança ou de facas. O dinheiro está presente, mas seu caráter intermediário é mais claro. Com a especialização da aldeia na fabricação de menires, todo o resto começa a girar em sua órbita. Já não circulam produtos e serviços através do dinheiro, mas dinheiro através de produtos e serviços. Há uma passagem de O Capital, de Marx que diz: "... uma mercadoria não se torna dinheiro somente porque todas as outras nela representam seu valor, mas, ao contrário, todas as demais nela expressam seus valores, porque ela é dinheiro. Ao se atingir o resultado final, a fase intermediária desaparece sem deixar vestígios. (...) Ouro e prata já saem das entranhas da terra como encarnação direta de todo trabalho humano. Daí a magia do dinheiro."

Asterix sente que está em andamento um plano para desunir a aldeia. Prepara a reação. Estimula todos os moradores a entrar no negócio dos menires para concorrer com Obelix. A confusão aumenta. O ferreiro, o peixeiro, o quitandeiro, todos largam suas tarefas tradicionais para também fabricar menires. Ao entusiasmo geral pela nova atividade, Asterix adiciona um aumento de produtividade através do uso da mais avançada "tecnologia" local: a poção mágica. O resultado são entregas cada vez maiores ao acampamento romano.

A conseqüência é que César começa a se desesperar com a quantidade de menires que chega a Roma. Velhacus o tranqüiliza. Diz que vai estimular a compra de menires, usando um márquetim todo específico: "As pessoas compram, diz ele, A - o que é útil, B - o que é confortável, C - o que é agradável, D - o que causa inveja nos vizinhos. Está no item D o ponto básico da campanha." Propõe a massificação. Cita as qualidades que devem ser ressaltadas: "A - durabilidade, B - ineditismo e C - outras qualidades que ainda vou descobrir" (32-A).

A prancha 34-A mostra Velhacus apresentando a César os produtos que inventou para transformar a posse de menires em moda: Togas com menires bordados, relógios solares com ponteiros em forma de menir, jóias com o mesmo motivo e um estojo "faça você mesmo" com martelo e talhadeira para uso familiar.

Parênteses: É uma idéia comum a de que o capitalismo inventa coisas desnecessárias para serem vendidas. No entanto, esta é uma discussão complexa. Qual o limite entre o que é estritamente necessário e o que passa a ser supérfluo? Muito difícil de determinar. Claro que alimento, vestuário e habitação poderiam ser considerados o nível mais básico. Mas em regiões muito quentes, a nudez total seria a regra? Não é o que se verifica. Mesmo entre indígenas em regiões tropicais, os adereços e acessórios simbólicos fazem parte da vida social. Não há uma relação direta entre necessidade e uso. Além disso, hoje já é muito comum ver tribos inteiras vestidas com roupas urbanas, mesmo que não sejam necessárias devido ao clima. Aí, já entra o fator da dominação cultural.

Em O Capital, ao discutir quanto deve ser a soma dos meios necessários para manter a vida normal de um trabalhador, Marx diz que "a soma dos meios de subsistência deve ser (...) suficiente para manter no nível de vida normal do trabalhador". Mas, adverte que um elemento histórico e moral entra na determinação desse valor. É o caso de indígenas vestidos com camisas do Flamengo, usando relógios de pulso e consumindo bebidas e comidas estranhas à sua tradição e, teoricamente, inadequadas ao ambiente em que vivem.

Mas nem tudo dá certo. Começam a aparecer contradições. Um fabricante romano de menires inicia um movimento protecionista. O fabricante, que se chama Malentendidus, é questionado por César: "Que história é essa?" O fabricante responde: "Os menires gauleses estão colocando em risco a sobrevivência da classe empresarial". César discorda: "Mas quem fabrica são os escravos". Malentendidus: "Justamente! O trabalho duro é o único direito do escravo! Não podemos lhes tirar esse direito!" (34-B e 35-A).

A situação evolui para ações concretas. Uma barreira é colocada na entrada de Roma. Numa faixa está escrito "Menires Gauleses Go Home" (35-B).

Parênteses: Um momento muito feliz dos autores. Primeiro, antecipam em pelo menos 15 anos (o álbum é de 1976) as contradições entre a globalização e os interesses de setores nacionais burgueses. Um famoso representante desses setores é José Bové (2), que é francês e lembra Asterix. Em segundo lugar, os escravos romanos não poderiam ter direitos, pois eram considerados coisas. Do ponto de vista formal e real, equivaliam a animais de tração. Portanto, Goscinny e Uderzo devem estar se referindo aos proletários atuais. Estes acreditam ter direitos. Mas só os têm do ponto de vista formal. Do ponto de vista real, seu único grande direito é o trabalho duro. Basta notar que em tempos de ditadura ou de ataque aos trabalhadores, direitos como o voto ou o salário-desemprego podem ser rapidamente suprimidos. Mas o direito a ser explorado continua valendo, nem que seja de modo informal e precário.

As táticas consumistas de Velhacus perdem fôlego. Menires começam encalhar nos estoques e a ser vendidos em liquidação. "Em cada compra de um escravo, dois menires de graça", diz um anúncio talhado em mármore (37-A).

César pega Velhacus pelos colarinhos, chacoalha e diz: "Foi por sua causa que quase abri falência e quase entramos em guerra civil! Nem mesmo Brutus me prejudicou tanto!" (37-B). Despacha o marqueteiro para a Gália para resolver o problema. Lá chegando, Velhacus simplesmente suspende a compra de menires.

Ao descobrir que os romanos já não querem comprar mais menires, os gauleses começam a se desentender. Uns acusando os outros de concorrência desleal. Mas Asterix lhes faz notar que os verdadeiros culpados são os romanos. Convida-os a acertar tudo com eles. A prancha 43-A mostra Os gauleses entrando numa coluna arrasadora pela fortificação de Babaorum, destruindo tudo e colocando os romanos em fuga. Inclusive, Velhacus.

A cena final é aquela que fecha todas as aventuras de Asterix. Um grande banquete, com muito vinho, os inevitáveis javalis e muita diversão. Só não há música porque o único bardo da aldeia tem uma voz horrível. Durante os banquetes, fica amordaçado e amarrado a uma árvore.

Parênteses de encerramento: Podemos entender a vitória gaulesa sobre a estratégia de Velhacus como a impossibilidade de que relações capitalistas se estabelecessem naquele momento histórico. Ainda citando O Capital, Marx diz que "só aparece o capital quando o possuidor de meios de produção e de subsistência encontra o trabalhador livre no mercado vendendo sua força de trabalho, e esta única condição histórica determina um período da História da humanidade." Essas condições não aparecem nem em Roma, em que a força de trabalho é escrava, nem na aldeia, em que os moradores possuem seus próprios meios de produção (ou de subsistência através da caça e da coleta). Voltando ao exemplo cubano, a ilha governada por Fidel apresenta as duas condições. Força de trabalho assalariada e meios de produção controlados pelo Estado e não pelos trabalhadores.

Mas é claro que os geniais criadores de Asterix não pretendiam qualquer exatidão histórica. O domínio do formato satírico lhes deu liberdade para fazer a crítica de aspectos da atual sociedade capitalista em plena antiguidade romana. E o fizeram de forma magistral através de um material bonito, divertido e fácil de assimilar. Que tal usá-lo em cursos de formação?

Janeiro de 2004





(1) Segundo o dicionário Houaiss, menir é um monumento megalítico do período neolítico, geralmente de forma alongada, altura variável (até cerca de 11 m) e fixado verticalmente no solo. Podia servir de marco astronômico. Também pode representar o totem ou outros espíritos, freqüentemente apresentando traços figurativos.Voltar ao texto.

(2) José Bové é criador de ovelhas e líder da Confederação Camponesa da França. Tornou-se conhecido em 1999 ao liderar a invasão de uma lanchonete McDonald's na França em protesto contra a globalização econômica. No final do mesmo ano, em Seattle, nos Estados Unidos, Bové participou de manifestações contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Participa dos Fóruns Sociais Mundiais. Voltar ao texto

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Fonte: <
http://www.midiavigiada.kit.net/quadrinhos/asterix.htm>.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Superman e Stalin, em defesa do capitalismo

No ano em que se completaram 50 anos da morte de Stalin, um gibi coloca do mesmo lado o ditador soviético e o super-herói que mais simboliza a ditadura "democrática" dos Estados Unidos. O que eles teriam em comum? A defesa dos mecanismos de funcionamento do capitalismo.

Para quem não sabe, ou não se lembra, Stalin quer dizer "Homem de Aço", em russo. Este também é o outro nome pelo qual é conhecido o Superman. O super-herói mais famoso dos quadrinhos, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster, em 1938. A partir dessa aparente coincidência, Mark Millar escreveu e Dave Johnson desenhou "Superman, entre a foice o martelo". A revista foi lançada pela DC Comics no Brasil, em junho passado, em três edições.

Vou fazer algumas observações a que chamarei de parênteses. Os leitores que os acharem desnecessários ou quiserem tirar suas próprias conclusões, podem seguir o texto principal sem prejuízos para a compreensão da história.

Um parêntese, pra começar: por que um militante comunista escolheria para si o apelido de Homem de Aço? Um revolucionário socialista precisa ser firme na defesa de seus princípios. Mas firmeza não é incapacidade de ser flexível. Um militante socialista que quer fazer a revolução tem que ganhar milhões de pessoas para isso. E não se ganha milhões sem arrancá-los da dominação ideológica da burguesia. Para isso, não adianta recitar palavras-de-ordem ou trechos do manifesto comunista. Algo assim pode até funcionar para alguns, muito poucos. O problema é que a grande maioria das pessoas enxerga o mundo tal como a burguesia o apresenta. Se era assim quando existiam apenas jornais de papel, no começo do século passado, imagine hoje, com rádio, tevê, internete. E para fazer essa disputa é preciso tratar aqueles que queremos ganhar para a revolução com respeito por sua capacidade de compreensão. Não se trata de rebaixar nossa discussão para colocá-la ao alcance dos pobres mortais. Trata-se de conhecer a realidade do povo para aprender com ela. Convidar seus melhores filhos a aproveitarmos juntos as contradições que a vida pobre e explorada nos apresenta para dela nos livrar. Mostrar-lhes que há uma tradição de luta com homens e mulheres que já percorreram esse caminho e avançaram passos importantes nele. Convencê-los a seguir conosco esses passos em direção à destruição das condições que fazem a vida tão pobre e explorada. Nada disso combina com a visão de um militante duro e inflexível. Na verdade, a escolha que Stalin fez sobre seu apelido mostra muito do que se tornaria sua idéia falsa e terrível de socialismo.

O Superman soviético é uma espécie de versão invertida do Superman ianque. Na história criada por Siegel e Shuster, o super ser caiu do espaço em uma espaçonave na zona rural dos Estados Unidos. Ainda bebê, foi encontrado por um casal de humildes lavradores, que o criou como seu filho. Na história de Millar, a espaçonave vai parar numa fazenda coletiva da Ucrânia, em plena ditadura stalinista. Seus pais de criação são camponeses dedicados ao que eles pensam ser a causa comunista.

O Superman adulto é o grande ídolo do povo soviético. Na mesma lógica invertida de Millar, Lex Luthor continua sendo seu maior rival, mas é também um ídolo nos Estados Unidos. Um vencedor nos negócios e na ciência. Um exemplo disso é a cena em que aparece pela primeira vez. Luthor está lendo "O Príncipe", de Maquiavel, enquanto joga xadrez com cinco adversários. Ao mesmo tempo, ouve música num gravador que projetou durante uma passagem pelo banheiro, naquela manhã. Invertendo de novo, Lois Lane é sua mulher.

Neste jogo de espelhos, Batman também é russo e teve seus pais mortos pelos carrascos de Stalin. Torna-se um rebelde anarquista. Vive fazendo atentados contra as autoridades soviéticas, com bombas e assassinatos.

Se o Superman é força e decência, Lex Luthor é inteligência e pragmatismo. Mas, ao contrário da história real, não é a América de Luthor que sai vitoriosa. Depois de relutar muito, Superman aceita ficar no lugar de Stalin. E quando o Homem de Aço completa 63 anos de idade, "o mundo tinha quase 6 bilhões de comunistas", segundo narração feita por ele mesmo. E completa: "Moscou operava com a mesma precisão de relógio suíço evidente em todas as outras vilas e cidades de nossa União Soviética Global".

Outro parêntese: a oposição entre os modos de vida soviético e ianque é apenas aparente. O sistema soviético seria pesado, autoritário, mas digno. Pelo menos, ele garantia a todos, emprego, saúde, educação. O modo de vida norte-americano, seria o contrário. Há liberdade e democracia, mas cada cidadão tem que saber utilizar esses valores para se dar bem. Pode haver pobreza, desemprego e injustiça, mas só para quem não souber utilizar sua inteligência e capacidade de trabalho. De fato, os dois sistemas operavam sob a mesma lógica. Ambos mantinham a separação entre o trabalhador e seu instrumento de trabalho. Num, eram os patrões que controlavam os meios de produção. No outro, era o Estado. Portanto, nos dois havia exploração. Havia extração de mais-valia. O fato de que no sistema soviético, não havia a figura jurídica da propriedade privada dos meios de produção não muda nada neste aspecto. Apenas no aspecto político e social. A classe que explora os trabalhadores está disfarçada de burocracia. Está travestida de Estado Operário.

Por outro lado, num dado momento, Superman especula sobre o papel de Lex Luthor. "Talvez,ele existisse para me manter sob controle...". Exatamente o que aconteceu durante o período da Guerra Fria. As duas superpotências aceitaram um jogo arriscado. Um cabo-de-guerra que, felizmente, não se rompeu. Caso contrário, já não estaríamos aqui. A pergunta é, pode um país que se afirmava socialista aceitar um jogo como este? Não. Ameaçar a humanidade com bombas atômicas nada tem a ver com o princípio de libertação e luta pela paz definitiva que está na base da causa socialista.

É ainda Superman que diz: "Não havia adulto sem emprego. Todas as crianças gozavam de um hobby e a população inteira desfrutava das oito horas completas de sono que seus corpos requeriam".

No Superman original, outro de seus grandes inimigos é Brainiac. Trata-se de um alienígena com enormes poderes mentais, que acabou sendo aprisionado pelo Homem de Aço em um corpo robótico. Mas, na versão de Millar, Brainiac ajuda Superman a administrar o mundo. As providências do mecanismo aumentaram a expectativa de vida para 120 anos. Os suicídios estão em queda porque Brainiac colocou hidrocloreto de fluoxetina no fornecimento de água.

Terceiro parêntese: nada disso tem alguma coisa a ver com socialismo ou comunismo. A começar pela necessidade de um super-ser para dirigir a sociedade. Tal idéia está bem presente em todas as ditaduras. A idéia do homem superior governando os comuns. Além disso, o ideal do comunismo não é dar a cada pessoa um emprego. Trata-se de proporcionar a cada um a oportunidade de agir e se relacionar criativamente com a natureza e com as pessoas, através de um trabalho livre das imposições da sobrevivência. Algo levemente parecido com o que conhecemos hoje por atividade artística. A solução de Brainiac para o suicídio faz um feliz contraponto a essa imagem errada da utopia. Hidrocloreto de fluoxetina é o princípio ativo de um medicamento que, nos anos 90, foi considerado o Viagra da depressão. A idéia de que os conflitos existenciais serão resolvidos quimicamente é feia demais para ser utópica.

Toda essa obra foi conseguida com um novo estilo de governar. Sucessor de Stalin, Superman não quer manter seus métodos. Por exemplo, diante da sugestão de matar o subversivo Batman, Superman se mostra indignado. "A utopia não vai ser erguida sobre os ossos de meus oponentes. Essa era a maneira de agir do camarada Stalin, não minha".

O novo Homem de Aço toma a si a tarefa de consertar o mundo, com o mínimo de violência possível. Quase um governo pelo convencimento. Stalin também fazia uso do convencimento. Mas, não hesitava em exterminar quem se recusava a ser convencido.

Quarto parêntese: Ainda há os que acreditam que Stalin mandou matar milhares para defender as conquistas da revolução. Se isso for verdade, trata-se de um indivíduo, sem dúvida, de poderes sobrenaturais. Afinal, entre os mortos, estão praticamente todos os seus companheiros de revolução. Camaradas, no mínimo, acima da média. De todos os membros do Comitê Central do Partido de 1923, somente Stalin e Molotov sobrevieram aos anos 1930. Eis a lista dos mortos e suas causas: Lênin teve morte natural. Kamenev, Zinoviev, Bukharin, Rykov e Trotsky foram mortos a mando de Stalin. Tomsky se suicidiou, temendo ser preso. E não só isso, no outono de 1929 havia 60 mil prisioneiros em campos de concentração. Em Meados de 1930, 600 mil. Em 1932, cerca de 2 milhões. Todos traidores? Não. Era a máquina de poder dirigida por Stalin em pleno funcionamento.

A única exceção nesta situação utópica é a América. Uma zona de guerra que recusa a ajuda econômica soviética, com 350 milhões de pessoas à beira da morte por desnutrição. Mas o país que teima em permanecer em situação caótica é governada por Lex Luthor. E o velho inimigo de Superman não desistiu de vencer sua guerra contra o Homem de Aço.

Como presidente dos Estados Unidos, Luthor cortou relações diplomáticas do país com o resto do mundo. Criou um rígido mercado interno, onde exercia controle absoluto sobre todas as cédulas de dólar. Qualquer semelhança com os paises do bloco soviético na vida real não é mera coincidência. A diferença é que tudo isso fazia parte de um plano.

Enquanto o Superman calculava que o colapso da economia norte-americana viria a qualquer momento, Luthor preparava seu plano. As providências que tomou na esfera econômica estavam tornando o país rapidamente próspero. Além disso, havia desenvolvido armas poderosas para enfrentar os poderes de Superman.

Quinto parêntese: um vilão como Luthor governando os Estados Unidos é muito adequado. Afinal, o que é Bush? Sua primeira eleição foi uma fraude clara. Na segunda eleição, funcionaram os mecanismos de restrição do voto. A maioria dos negros, hispânicos e pobres teve grandes dificuldades em votar. Dos que votaram, a grande maioria era rica, branca e conservadora. Além disso, não há pluripartidarismo, nem votação direta para presidente. Na verdade, há um único partido com duas alas. A republicana e a democrática. A legislação sufoca o crescimento de outros partidos. E ainda tem o Colégio Eleitoral, que elege o presidente. Quando os eleitores americanos vão votar é para eleger delegados para esse Colégio Eleitoral. Mas, só o partido único da burguesia elege delegados e define qual o melhor representante de seus interesses. Uma democracia de cartas marcadas. A mais acabada ditadura do Capital.

O momento em que a economia ianque deveria desabar não veio. Superman é, então, avisado por Brainiac sobre os planos de Lex. Diz que os Estados Unidos são a única ameaça ao que construíram juntos. Quer que o Homem de Aço ordene a destruição do país. Superman novamente se recusa a resolver o problema pela força bruta.

Lex Luthor aparece de surpresa. Invadiu a fortaleza do Homem de Aço. Diz que seu plano de ataque e destruição do poder soviético está em andamento. Brainiac não tem dúvidas. Captura Lex e o prende no interior de seu próprio corpo robótico.

Começam os ataques preparados por Luthor. Finalmente, Superman se convence a atacar os Estados Unidos. As forças norte-americanas começam a ser derrotadas. Uma legião de super monstros criados por Lex é destruída sem dificuldades por Superman. Começa o contra-ataque soviético.

As forças soviéticas avançam pelo território ianque. Superman se aproxima da Casa Branca e encontra Lois Lane na sacada. Lois diz que os Estados Unidos são o seu lar e não vai abandoná-lo. O Homem de Aço explica que os Estados Unidos já não existem mais. As forças soviéticas destruíram seus exércitos e Luthor está preso. Lois responde que ainda há uma bala no arsenal dos americanos. Trata-se de uma carta deixada por Luthor para que ele leia. Está no bolso do casaco dela. Lois Pede a Superman para ler o documento com sua visão de raios-X. O Homem de Aço obedece. Seus olhos lacrimejam. Ele cai de joelhos chorando e se lamentando: "Oh, meu Deus! O que foi que eu fiz. Tudo o que eu queria era pôr um fim nas guerras e na fome..." Lois fica surpresa. Abre a carta e lê: "Por que você não põe o mundo todo numa garrafa, Superman?".

A carta de Lex colocou Superman num conflito moral. Diz a Brainiac que ele não passa de uma espécie alienígena violentando uma espécie menos desenvolvida. Isso não seria moralmente justificável. Por isso, resolve deixar tudo. Sair do planeta e da vida de seus habitantes. Brainiac diz que negar aos seres humanos a utopia perfeita é que não seria moralmente justificável. A máquina resolve se revoltar contra Superman. Vai continuar e completar o trabalho. Ataca o Superman com raios verdes. Provavelmente, kriptonita, único material capaz de destruir o Homem de Aço, na Terra.

Sexto parêntese: a discussão aqui é muito feliz. Trata-se da idéia de que o socialismo, a justiça social, a construção de um mundo melhor, podem ser impostos de cima para baixo. Impossível. A idéia de justiça social é o oposto da afirmação de hierarquias. Estas são incompatíveis com a compreensão de que os seres humanos são potencialmente iguais em suas capacidades e radicalmente diferentes em suas possibilidades. Não se trata de acabar com as hierarquias de um dia para o outro. Trata-se de lutar contra seu fortalecimento em nome da liberdade. Esta é a mais perigosa forma de mantê-las e reforçá-las. Luthor não representa a liberdade. Ao contrário, tem convicção de que a injustiça é o estado natural da humanidade. Por isso, pega o Homem de Aço no contrapé. Da mesma forma que o sistema soviético foi pego no contrapé. As populações do bloco soviético suportaram a repressão e a opressão por muito tempo, em nome de conquistas materiais básicas. Quando ficou claro que tanta repressão não garantia nem mesmo isso, o capitalismo jogou suas iscas: seria melhor ter liberdade com alguma chance de fugir da pobreza, do que a certeza da pobreza sem liberdade alguma. Infelizmente, os povos do bloco soviético descobriram que só passaram a ser dominados e explorados por outra forma de capitalismo.

Quando parecia ser o fim do super-herói, uma surpresa. A captura de Lex Luthor pela máquina era parte dos planos do vilão. Dentro das tripas artificiais de Brainiac, Luthor toma o controle da máquina. Detém o ataque ao Homem de Aço. Mas, a máquina tem um dispositivo de segurança. Uma bomba poderosa é colocada em ação. Pode destruir todo o sistema solar. Somente o Superman pode levar a explosivo para longe da Terra. E ele o faz. Mas no caminho, deduz que esta é mais uma jogada de Luthor. A bomba foi acionada por ele mesmo para dar a chance de que o Superman precisava para abandonar o planeta em grande estilo. A explosão faz parecer que o Homem de Aço morrera para salvar a Terra. Superman agradece e sai de cena.

Último parêntese: um leitor mais delirante veria na estratégia de Luthor algo parecido com a idéia de que é possível modificar o sistema por dentro. Deixar-se engolir por Brainiac seria como eleger muitos parlamentares e governantes de esquerda. Eles iriam apresentar leis ou fazer políticas para ir mudando o sistema aos poucos. Até que chegássemos suavemente ao socialismo. Se o gibi tivesse terminado por aí, estaria demonstrado que o tal "sistema" é um mecanismo que não aceita sabotagens por dentro. Na verdade, mostraria que o verdadeiro sujeito da atual sociedade é um mecanismo. É o capital. É por isso que Marx batizou sua maior obra com o nome de "O Capital". Não chamou de "Os capitalistas" ou "A burguesia". Trata-se de um mecanismo posto em andamento que escraviza todos os seres humanos. Mesmo, os patrões, sempre às voltas com a necessidade de manter altas taxas de lucro para não naufragarem. Claro que a deles, é uma doce escravidão. O fato é que esta máquina não foi desativada após a revolução russa. Ao contrário, ganhou novo impulso quando a nascente experiência socialista se transformou em Estado socialista. Quando tudo o mais ficou subordinado à preservação de um governo que se intitulou comunista. Neste momento, o caminho passou a ser feito por dentro do "sistema". Por dentro do mercado capitalista mundial, aceitando as regras da competição capitalista, acelerando a industrialização segundo os moldes capitalistas. Uma corrida louca para frente que atropelou e matou milhões de russos e de outros habitantes do Leste Europeu. O final da corrida foi conhecido em 1991. A União Soviética desapareceu, mas o capitalismo continuou. Não é à toa que a grande maioria dos funcionários da antiga máquina burocrática russa são hoje os empresários e mafiosos que controlam a economia. O final que Millar dá a sua história parece confirmar isso. É conservador, se o interpretarmos como impossibilidade de mudanças. Pode ser melhor que isso, se o interpretarmos como a negação de que a liberdade humana possa vir de cima para baixo. Voltará a se repetir, trocando apenas de autoridades e exploradores.

Agora, é Lex Luthor que reina absoluto. O planeta progride através de milhares de séculos. A linhagem Luthor segue governando e fazendo seu povo feliz. O bisneto de Luthor é Jor-L. Um jovem talentoso, que descobre o triste destino da Terra. O Sol está morrendo. A estrela está ficando vermelha e se expandindo. Vai engolir a Terra e os outros planetas. Ninguém acredita em Jor-L. Sabendo que a catástrofe não vai demorar, quer salvar seu único filho, ainda bebê. Cria uma nave espacial para enviar a criança para longe. Não no espaço, mas no tempo. Envia o pequeno Kal-L para o passado. Quer que a criança volte para mudar os destinos do mundo. A nave, com o bebê, cai em uma fazenda da Ucrânia em 1938. A história recomeça.

Dezembro de 2004

Livros consultados:

"State Capitalism in Russia", de Toni Cliff.

"Russia, class and power - 1917 - 2000", de Mike Haynes.

"El partido bolchevique", de Pierre Broué.

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Fonte: <http://www.midiavigiada.kit.net/quadrinhos/superstalin.htm>.