Março.1.2005
"Não há nada melhor do que despertar o prazer e o amor pelo estudo, do contrário só se formam bons carregadores de livros", Michel de Montaigne.
A cada semestre a imagem se repete: nas primeiras horas da manhã e da tarde o trânsito fica complicado; os arredores das principais escolas da cidade são tomados por estudantes. Se no final do período escolar os estudantes deixaram a escola para aproveitar as férias, com o fim das férias o movimento se inverte, como um êxodo: crianças e adolescentes deixam suas casas procurando educação e cultura. Será que procuram no lugar certo?
Nos EUA cresce à taxa de 11% ao ano o número de famílias que preferem educar seus filhos em casa. É o chamado homeschooling. Os adeptos desse movimento acreditam que em casa é possível transmitir uma educação de melhor qualidade, sem as desvantagens que o ensino escolar oferece. No Brasil, o homeschooling praticamente não existe como movimento organizado; nos EUA e na Inglaterra há fóruns de discussão, sites e organizações dedicadas ao tema. De algum modo, a opção pelo ensino em casa declara discretamente a falência do ensino tradicional. As estatísticas reforçam essa idéia: nos EUA, em 2000, os alunos que tiveram aulas em casa conseguiram pontuação 10% mais alta que a média obtida pelos candidatos às universidades.
Não se trata apenas de uma questão educacional, de cumprir um currículo escolar mínimo. O ensino em casa modifica profundamente a constituição do indivíduo, do convívio social (que deixa de se centralizar nas escolas) à formação dos princípios morais e religiosos (que não mais se baseiam em modelos ideológicos). O resultado é um cidadão totalmente diferente daquele “projetado” pelo Estado. O ensino em casa trata, portanto, de ideologia, de política, de estatização do ensino e da própria vida.
Claro que o homeschooling apóia-se numa estrutura familiar sólida. Talvez por isso o modelo não sirva para qualquer família. Mesmo assim, o tema deixa algumas questões importantes. Primeiro, sobre a qualidade e o custo do ensino oferecido no Brasil: a ineficiência das escolas públicas põe em dúvida o papel do Estado e escolas particulares são muito caras. Segundo, sobre a liberdade e a segurança de ensinar os próprios filhos; algumas escolas são verdadeiros antros de delinqüência.
E terceiro, sobre o que é a educação e qual seu verdadeiro lugar: a educação pode acontecer fora das escolas, sob a orientação de qualquer pessoa que possua inteligência, clareza e bondade. Às vezes essa pessoa somos nós mesmos. Os maiores filósofos que o Brasil tem são autodidatas, jamais freqüentaram um curso de filosofia: Miguel Reale, Mário Ferreira dos Santos, Olavo de Carvalho, Tobias Barreto. A genialidade destes e de outros autodidatas, pessoas que não receberam uma educação formal do Estado, deixa clara uma idéia que remonta à época de Pitágoras: quem quer estudar busca seus próprios meios; quem não quer, põe-se diante de uma lousa e carrega livros na mochila.
Publicado no Correio do Litoral em 5 de Fevereiro de 2004.
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