quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Chesterton e as pequenas comunidades

Não é elegante, hoje em dia, tecer muitos comentários a respeito das vantagens da pequena comunidade. Dizem que devemos participar de vastos impérios e cultivar idéias grandiosas. Há uma vantagem, contudo, num pequeno Estado, cidade ou vila, que apenas os deliberadamente cegos conseguem deixar de ver: o homem que vive na pequena comunidade vive num mundo mais amplo. Sabe muito mais sobre as diversidades ameaçadoras e as divergências intrasigentes dos homens. O motivo é óbvio. Numa grande comunidade, podemos escolher nossos parceiros. Numa comunidade pequena, os parceiros não são escolhidos. Assim, em todas as sociedades grandes e altamente civilizadas surgem grupos baseados no que chamamos de afinidade, e excluem o mundo real de um mundo mais brusco dos que os portões de um monastério.

(...).

Caso amanhã de manhã fiquemos ilhados pela neve na rua onde moramos, de repente poderemos olhar num mundo muito mais vasto e bravio do que jamais seremos capazes de imaginar. Eis todo o afã da pessoa tipicamente moderna para escapar da rua onde mora. Primeiramente, forja a ciência sanitária moderna e vai nadar para melhorar a saúde em Margate. Então, fantasia a cultura moderna e vai para Florença. Depois, inventa o imperialismo moderno e vai para Tombuctu. Vai para as fantásticas fronteiras da Terra. Finge atirar em tigres. Quase anda de camelo. E nisso tudo, em essência, ainda está fugindo da rua onde nasceu. Para essa fuga trás sempre pronta a explicação. Diz estar fugindo porque a rua é maçante. Está mentindo. Na verdade, foge da rua porque é excitante demais. É excitante porque é difícil agradar; é exigente porque está viva. Essa pessoa pode visitar Veneza porque, para ela, os venezianos são apenas venezianos; as pessoas de sua rua são pessoas. Para cravar os olhos nos chineses porque, para ela, os chineses são passivos e devem ser encarados. Caso olhe fixamente para a senhora idosa no jardim ao lado de sua casa, a senhora reagirá. Em suma, a pessoa é forçada a fugir de uma sociedade de pares demasiado estimulante -- homens livres, perversos, grosseiros, deliberadamente diferentes dela.

CHESTERTON, G. K. Heréticos, cap. XIV.

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