Ramiro Corrêa
Diante da possibilidade de entrar em uma briga, você tem duas alternativas: logicamente, a primeira delas é recusar-se, o que deveria ser feito sempre que possível; a segunda alternativa refere-se à impossibilidade de evitar a briga; prepare-se bem para ambos os casos.
Aristóteles já dizia:
Tópicos (164b)
Não se deve discutir com todos, nem praticar a dialética com o primeiro que aparecer, pois, com respeito a certas pessoas, os raciocínios sempre se envenenam. Com efeito, contra um adversário que tenta por todos os meios parecer esquivar-se, é legítimo tentar por todos os meios chegar à conclusão; mas falta elegância a tal procedimento.
Mas, digamos que você não tenha mesmo alternativa; deverá entrar numa briga e, pior, com alguém com quem os “raciocínios sempre se envenenam”. Aquelas pessoas maldosas, ordinárias, maliciosas, que usarão as palavras proferidas por você para inverter os sentidos; essa espécie de gente que se assemelha aos políticos corruptos que vivem das benesses do Poder e pelo prazer de roubar o povo.
Agora, você tem um problema. Vai brigar com um “profissional”, essa figura assemelhada à mula mumificada da décima-segunda dinastia de faraós egípcios.
Meu conselho é o seguinte, nessas circunstâncias: meta Aristóteles na cabeça dele! Bem, se você tiver um dos livros de Aristóteles - o Peri Psiqué, o Metafísica, o Tópicos, o Categorias, o Ética a Nicômaco, o Ética a Eudemo, qualquer outro -, o livro em si, aquele tijolinho, não atire-o na cabeça desse oponente indigno: um livro de Aristóteles não merece tal destino infame! Mas, você deve usar as palavras do chefão do Liceu, o aluno de Platão, para se desvencilhar das armadilhas de seu inimigo.
E por onde começar? Boa pergunta!
O ponto de partida, creio eu, é o seguinte: na filosofia de Aristóteles, há cinco (5) candidatas às virtudes intelectuais (com as quais, e somente com elas, você poderá derrotar aquele inimigo):
i) a arte, chamada de techné;
ii) o conhecimento científico, chamado de epistéme;
iii) a sabedoria prática, conhecida por phrónesis;
iv) a sabedoria filosófica, também dita por sofía;
v) e a razão intuitiva, chamada noús (nús).
Olhe bem para a “cara” de cada uma delas: arte, ciência, sabedoria prática, filosofia e razão intuitiva; perceba que Aristóteles oferece um arsenal bem mais poderoso que qualquer cilo nuclear existente no planeta, em todos os tempos. Pergunte a um Diplomata o que significa a força das palavras e da mediação, para entender bem como essa gente é capaz de evitar catástrofes inenarráveis; pergunte a um deles se ele pode se dar ao luxo de candidatar-se a um cargo diplomático sem conhecer, pelo menos, o nome da cidade onde Aristóteles manteve sua escola, o Liceu.
É claro que você se sentirá compelido a usar, num “combate”, a arte (techné); derrotar um inimigo por essa via, é uma delícia. Enquanto ele cospe marimbondos, enquanto ele tira as calças e esperneia - como aquelas meninas mimadas, enjoadas, pedantes, que ficam fazendo beicinho o tempo todo para tiranizar mães e pais -, enquanto isso, você, pela arte, calado, fazendo a sua parte para embelezar, ou para melhorar, o mundo, dá sua resposta. Isto é: você ignora, em nome da arte, da techné: e ignorar um inimigo é o mesmo que matá-lo de raiva. Ele ficará “p” da vida! (nota: este “p” não simboliza outra coisa senão “p” de político corrupto, porque há, ainda, os que não são corruptos).
Também é claro que você se sentirá tentado a utilizar o saber científico (epistéme). Quando alguém começa a falar “abobrinhas”, nada melhor que mostrar-lhe um livro, um artigo e dizer: vá estudar um pouco; depois a gente conversa; não vou perder meu tempo com idiotices; vá ver o que é epistemologia. Ele, além de perguntar “o que é isso?”, também ficará “p” da vida!
Vamos saltar a phrónesis e a sofía, agora. Pense na razão intuitiva (nús). Razão intuitiva pode ser entendida por muitas maneiras. Um bom começo é você pegar a obra inteira (inteira, repito) de Henri Poincaré, para tentar entender o que é razão intuitiva; outra alternativa, é você tentar estudar a obra inteira (inteirinha) de Paul Ricoeur - procure lá o conceito de ipseidade, de mémete, e tente entender alguma coisa; também pode ser que você queira fazer uma visita à filosofia de Immanuel Kant, que também é um bom elixir para o assunto da intuição; tem outro melhor ainda, um tal de Georg Wilhelm Friedrich Hegel - o Hegel, então, nem se fala! Assim, meu caro (minha cara), você perderá tanto tempo, mas tanto tempo, tentando entender o que é razão intuitiva, que esquecerá da briga, seu inimigo terá ido para a tonga da mironga do cabuletê (ou pr’os quintos dos infernos) e você, ignorando-o, terá agido como se estivesse empregando a arte (techné) da leitura e do estudo para resolver o problema. Noutras palavras: não perca tempo com o inimigo, apenas estude! E ele, seu inimigo, ficará “p” da vida por não ter discutido…
Vamos passar para a alternativa quatro: a sofía! Bom… esta é outra coisa. Pense bem! Você não vai jogar filosofia sobre um pobre coitado que não quer fazer outra coisa senão encher a sua paciência! Como disse, certa vez, o bom Mestre Jesus: não jogue pérolas aos porcos. De mais a mais, nessa esfera “candidata” à verdade virtuosa intelectual, você está preso ao mandamento posto no Tópicos, citado acima, isto é: você não pode discutir com um imbecil - “certas pessoas” com as quais “os raciocínios sempre se envenenam” -, porque, se o fizer, a própria filosofia ficará desautorizada! Então, é melhor deixar o assunto p’ra lá, não discutir mesmo, ignorar o “elemento”, o “indivíduo”, e ponto final. E ele ficará “p” da vida…
Resta-nos, portanto, a phrónesis. Foi essa aí, a menina dos olhos de Aristóteles, que ele deixou para a “pancadaria” contra os corruptos, os safados, os ambiciosos.
A phrónesis é a virtude moral por excelência, mas, também, é uma virtude técnica (techné). E é aí que o bode aparece!
Se você conhece a Teoria do Caminho do Meio (ou Mesotês) de Aristóteles, lembrará que ela mais se parece a uma balança. Imagine uma balança e coloque no centro uma Virtude; se você andar para a esquerda, encontrará o Vício por Deficiência; se você andar para a direita, encontrará o Vício por Excesso.
Por exemplo, para a virtude Liberalidade, qual é o vício por deficiência? Se liberal se define como “o amigo do dar”, então o vício por deficiência é ser sovina, miserável, unha-de-fome, avarento; Molière escreveu uma peça teatral sobre esse Avarento, que é uma delícia de sátira às sociedades de todos os tempos (especialmente a nossa). O vício por excesso, no caso da virtude Liberalidade é, por sua vez, o esbanjamento. Para ler um pouco mais sobre esta virtude, a Liberalidade, vá direto ao Livro IV, a partir da primeira linha, do Ética a Nicômaco (é claro, de Aristóteles).
Mas, aqui vem a minha questão, que dará outro bode danado e provocará incredulidades. É o seguinte:
Tome, por exemplo, a virtude coragem - Andreía, para os gregos.
É uma virtude, não duvide disso! Porém… se você derivar a “coragem” (andreía), terá, como vício por deficiência, a covardia e, como vício por excesso, a temeridade.
Imagine agora um indivíduo que é tão covarde ao ponto de pensar, mais do que matar alguém, em suicidar-se. Este é o covarde dos covardes? Ainda não! Pois ele pode ser tão covarde, ao ponto de não ter a mínima coragem para suicidar-se (e note que a partícula “se” não cabe aqui, pois suicidar-se já é matar a si próprio duas vezes!!)
Você pensará: bom, esse aí é o covarde dos covardes covardes.
Mas ainda não é! Há outro: aquele que é tão covarde que, por extrema covardia, por medo de suicidar-”se”, contrata alguém para “suicidá-lo”!!!
Você dirá: bom, esse aí é o supra-sumo dos covardes!
Mas ainda não é!!!!
Imagine um indivíduo que seja tão covarde, mas tão covarde, que ao contratar alguém para “suicidá-lo”, na hora de ser morto, ele tenha medo de morrer!!!!!
Esse sim, é o Rei dos Covardes!
Foi por esta razão, penso eu, que Aristóteles resolveu coçar a própria cabeça, um belo dia, a passear pelo Liceu com seus pupilos, os peripatéticos!
Assim, se você olhar bem, a coragem (andreía) não é, exatamente, um sentimento original, mas ela é uma espécie de medo travestido…
Afirmar isso vai dar um bode desgraçado! Mas eu vou em frente, pelo princípio aristotélico da não-discussão…
Note que o “medo travestido” é uma forma finíssima de derivação; se você pegar, tomar, observar com muito cuidado o livro Ética a Nicômaco, verá que ele se parece aos degraus de uma cachoeirinha… onde a água escorre, deriva, cai, de uma virtude para outra.
É assim que a coragem (andreía), para ser de fato coragem, precisa considerar o medo! A coragem que não considera o medo, essa sim, torna-se temeridade! Pense nisto! Ele é tanto, que nem tem coragem de pensar em suicídio… e torna-se, também por esta via, um herói!
Todo herói grego, todo grande grego antigo, todo grande herói fosse de onde fosse, sentiu as pernas tremerem na hora “H”! É claro que superaram o medo, pela via da coragem, mas foram forçados, foram obrigados, a considerar o medo.
- “Pai, por que me abandonastes?”
E é nessa hora, precisamente nessa hora, que entra em cena a fantástica virtude: a prudência, o agir com cautela, a sabedoria prática, a phrónesis.
Você rebaterá: mas, a phrónesis é sabedoria prática para ser usada na vida, na república, no cotidiano, na arte da deliberação!
Arte da deliberação!
Concordo com você… mas, lembre-se: phrónesis é a virtude por excelência, paira sobre todas as outras e, portanto, deve ser aplicada nas situações mais críticas, mais pungentes possíveis. E note bem, que aqui vai outro problema gravíssimo, que dará outro bode maior ainda pelo que afirmarei:
- Ao fim, é no caráter e em sua construção onde se encontra a base da linguagem (de toda a filosofia da linguagem); e não o contrário, como querem, por exemplo, os analíticos.
Quem considera a coragem, o medo e a prudência, não está pensando em Alemão, Inglês, Grego, Português, Chinês ou Marciano… está pensando na própria vida - e nas dos outros, principalmente! E não diga que vida é linguagem, porque aí vamos brigar de verdade!
Por isso, meu caro (minha cara), a “boa técnica” da prudência, da arte de deliberar (phrónesis) vigia, controla, examina, pune, absolve, ama, chora, recua, invade, abraça, sorri, estende a mão, salva, afaga, apieda, dá, recebe…
Aristóteles (desculpe-me afirmar mais outra coisa ousada) foi quem descobriu o Super-Ego de Freud! Mas um Super-Ego mais bonzinho; aquele de Freud é meio neurótico, concorda?
Por fim, quero lembrar uma coisa: volte à frase, do Tópicos, acima. Veja e pense sobre o que significa a palavra “elegância” que Aristóteles deixou para nossa reflexão.
Veja como a elegância se impõe, quando o assunto é a arte da deliberação; numa palavra: elegância também é phrónesis.
Isto significa que, em qualquer circunstância, você nunca perderá tempo em discutir com os “envenenadores”; basta praticar filosofia ética. Como diz nosso “slogan” aqui no Blog Filosofix:
“Does you Does or Does you Don’t take Philosophy?”
:-:-:
Fonte: <http://www.filosofix.br9.biz/blogramiro/2008/02/18/compre-uma-briga-ao-lado-de-aristoteles/>.
Diante da possibilidade de entrar em uma briga, você tem duas alternativas: logicamente, a primeira delas é recusar-se, o que deveria ser feito sempre que possível; a segunda alternativa refere-se à impossibilidade de evitar a briga; prepare-se bem para ambos os casos.
Aristóteles já dizia:
Tópicos (164b)
Não se deve discutir com todos, nem praticar a dialética com o primeiro que aparecer, pois, com respeito a certas pessoas, os raciocínios sempre se envenenam. Com efeito, contra um adversário que tenta por todos os meios parecer esquivar-se, é legítimo tentar por todos os meios chegar à conclusão; mas falta elegância a tal procedimento.
Mas, digamos que você não tenha mesmo alternativa; deverá entrar numa briga e, pior, com alguém com quem os “raciocínios sempre se envenenam”. Aquelas pessoas maldosas, ordinárias, maliciosas, que usarão as palavras proferidas por você para inverter os sentidos; essa espécie de gente que se assemelha aos políticos corruptos que vivem das benesses do Poder e pelo prazer de roubar o povo.
Agora, você tem um problema. Vai brigar com um “profissional”, essa figura assemelhada à mula mumificada da décima-segunda dinastia de faraós egípcios.
Meu conselho é o seguinte, nessas circunstâncias: meta Aristóteles na cabeça dele! Bem, se você tiver um dos livros de Aristóteles - o Peri Psiqué, o Metafísica, o Tópicos, o Categorias, o Ética a Nicômaco, o Ética a Eudemo, qualquer outro -, o livro em si, aquele tijolinho, não atire-o na cabeça desse oponente indigno: um livro de Aristóteles não merece tal destino infame! Mas, você deve usar as palavras do chefão do Liceu, o aluno de Platão, para se desvencilhar das armadilhas de seu inimigo.
E por onde começar? Boa pergunta!
O ponto de partida, creio eu, é o seguinte: na filosofia de Aristóteles, há cinco (5) candidatas às virtudes intelectuais (com as quais, e somente com elas, você poderá derrotar aquele inimigo):
i) a arte, chamada de techné;
ii) o conhecimento científico, chamado de epistéme;
iii) a sabedoria prática, conhecida por phrónesis;
iv) a sabedoria filosófica, também dita por sofía;
v) e a razão intuitiva, chamada noús (nús).
Olhe bem para a “cara” de cada uma delas: arte, ciência, sabedoria prática, filosofia e razão intuitiva; perceba que Aristóteles oferece um arsenal bem mais poderoso que qualquer cilo nuclear existente no planeta, em todos os tempos. Pergunte a um Diplomata o que significa a força das palavras e da mediação, para entender bem como essa gente é capaz de evitar catástrofes inenarráveis; pergunte a um deles se ele pode se dar ao luxo de candidatar-se a um cargo diplomático sem conhecer, pelo menos, o nome da cidade onde Aristóteles manteve sua escola, o Liceu.
É claro que você se sentirá compelido a usar, num “combate”, a arte (techné); derrotar um inimigo por essa via, é uma delícia. Enquanto ele cospe marimbondos, enquanto ele tira as calças e esperneia - como aquelas meninas mimadas, enjoadas, pedantes, que ficam fazendo beicinho o tempo todo para tiranizar mães e pais -, enquanto isso, você, pela arte, calado, fazendo a sua parte para embelezar, ou para melhorar, o mundo, dá sua resposta. Isto é: você ignora, em nome da arte, da techné: e ignorar um inimigo é o mesmo que matá-lo de raiva. Ele ficará “p” da vida! (nota: este “p” não simboliza outra coisa senão “p” de político corrupto, porque há, ainda, os que não são corruptos).
Também é claro que você se sentirá tentado a utilizar o saber científico (epistéme). Quando alguém começa a falar “abobrinhas”, nada melhor que mostrar-lhe um livro, um artigo e dizer: vá estudar um pouco; depois a gente conversa; não vou perder meu tempo com idiotices; vá ver o que é epistemologia. Ele, além de perguntar “o que é isso?”, também ficará “p” da vida!
Vamos saltar a phrónesis e a sofía, agora. Pense na razão intuitiva (nús). Razão intuitiva pode ser entendida por muitas maneiras. Um bom começo é você pegar a obra inteira (inteira, repito) de Henri Poincaré, para tentar entender o que é razão intuitiva; outra alternativa, é você tentar estudar a obra inteira (inteirinha) de Paul Ricoeur - procure lá o conceito de ipseidade, de mémete, e tente entender alguma coisa; também pode ser que você queira fazer uma visita à filosofia de Immanuel Kant, que também é um bom elixir para o assunto da intuição; tem outro melhor ainda, um tal de Georg Wilhelm Friedrich Hegel - o Hegel, então, nem se fala! Assim, meu caro (minha cara), você perderá tanto tempo, mas tanto tempo, tentando entender o que é razão intuitiva, que esquecerá da briga, seu inimigo terá ido para a tonga da mironga do cabuletê (ou pr’os quintos dos infernos) e você, ignorando-o, terá agido como se estivesse empregando a arte (techné) da leitura e do estudo para resolver o problema. Noutras palavras: não perca tempo com o inimigo, apenas estude! E ele, seu inimigo, ficará “p” da vida por não ter discutido…
Vamos passar para a alternativa quatro: a sofía! Bom… esta é outra coisa. Pense bem! Você não vai jogar filosofia sobre um pobre coitado que não quer fazer outra coisa senão encher a sua paciência! Como disse, certa vez, o bom Mestre Jesus: não jogue pérolas aos porcos. De mais a mais, nessa esfera “candidata” à verdade virtuosa intelectual, você está preso ao mandamento posto no Tópicos, citado acima, isto é: você não pode discutir com um imbecil - “certas pessoas” com as quais “os raciocínios sempre se envenenam” -, porque, se o fizer, a própria filosofia ficará desautorizada! Então, é melhor deixar o assunto p’ra lá, não discutir mesmo, ignorar o “elemento”, o “indivíduo”, e ponto final. E ele ficará “p” da vida…
Resta-nos, portanto, a phrónesis. Foi essa aí, a menina dos olhos de Aristóteles, que ele deixou para a “pancadaria” contra os corruptos, os safados, os ambiciosos.
A phrónesis é a virtude moral por excelência, mas, também, é uma virtude técnica (techné). E é aí que o bode aparece!
Se você conhece a Teoria do Caminho do Meio (ou Mesotês) de Aristóteles, lembrará que ela mais se parece a uma balança. Imagine uma balança e coloque no centro uma Virtude; se você andar para a esquerda, encontrará o Vício por Deficiência; se você andar para a direita, encontrará o Vício por Excesso.
Por exemplo, para a virtude Liberalidade, qual é o vício por deficiência? Se liberal se define como “o amigo do dar”, então o vício por deficiência é ser sovina, miserável, unha-de-fome, avarento; Molière escreveu uma peça teatral sobre esse Avarento, que é uma delícia de sátira às sociedades de todos os tempos (especialmente a nossa). O vício por excesso, no caso da virtude Liberalidade é, por sua vez, o esbanjamento. Para ler um pouco mais sobre esta virtude, a Liberalidade, vá direto ao Livro IV, a partir da primeira linha, do Ética a Nicômaco (é claro, de Aristóteles).
Mas, aqui vem a minha questão, que dará outro bode danado e provocará incredulidades. É o seguinte:
Tome, por exemplo, a virtude coragem - Andreía, para os gregos.
É uma virtude, não duvide disso! Porém… se você derivar a “coragem” (andreía), terá, como vício por deficiência, a covardia e, como vício por excesso, a temeridade.
Imagine agora um indivíduo que é tão covarde ao ponto de pensar, mais do que matar alguém, em suicidar-se. Este é o covarde dos covardes? Ainda não! Pois ele pode ser tão covarde, ao ponto de não ter a mínima coragem para suicidar-se (e note que a partícula “se” não cabe aqui, pois suicidar-se já é matar a si próprio duas vezes!!)
Você pensará: bom, esse aí é o covarde dos covardes covardes.
Mas ainda não é! Há outro: aquele que é tão covarde que, por extrema covardia, por medo de suicidar-”se”, contrata alguém para “suicidá-lo”!!!
Você dirá: bom, esse aí é o supra-sumo dos covardes!
Mas ainda não é!!!!
Imagine um indivíduo que seja tão covarde, mas tão covarde, que ao contratar alguém para “suicidá-lo”, na hora de ser morto, ele tenha medo de morrer!!!!!
Esse sim, é o Rei dos Covardes!
Foi por esta razão, penso eu, que Aristóteles resolveu coçar a própria cabeça, um belo dia, a passear pelo Liceu com seus pupilos, os peripatéticos!
Assim, se você olhar bem, a coragem (andreía) não é, exatamente, um sentimento original, mas ela é uma espécie de medo travestido…
Afirmar isso vai dar um bode desgraçado! Mas eu vou em frente, pelo princípio aristotélico da não-discussão…
Note que o “medo travestido” é uma forma finíssima de derivação; se você pegar, tomar, observar com muito cuidado o livro Ética a Nicômaco, verá que ele se parece aos degraus de uma cachoeirinha… onde a água escorre, deriva, cai, de uma virtude para outra.
É assim que a coragem (andreía), para ser de fato coragem, precisa considerar o medo! A coragem que não considera o medo, essa sim, torna-se temeridade! Pense nisto! Ele é tanto, que nem tem coragem de pensar em suicídio… e torna-se, também por esta via, um herói!
Todo herói grego, todo grande grego antigo, todo grande herói fosse de onde fosse, sentiu as pernas tremerem na hora “H”! É claro que superaram o medo, pela via da coragem, mas foram forçados, foram obrigados, a considerar o medo.
- “Pai, por que me abandonastes?”
E é nessa hora, precisamente nessa hora, que entra em cena a fantástica virtude: a prudência, o agir com cautela, a sabedoria prática, a phrónesis.
Você rebaterá: mas, a phrónesis é sabedoria prática para ser usada na vida, na república, no cotidiano, na arte da deliberação!
Arte da deliberação!
Concordo com você… mas, lembre-se: phrónesis é a virtude por excelência, paira sobre todas as outras e, portanto, deve ser aplicada nas situações mais críticas, mais pungentes possíveis. E note bem, que aqui vai outro problema gravíssimo, que dará outro bode maior ainda pelo que afirmarei:
- Ao fim, é no caráter e em sua construção onde se encontra a base da linguagem (de toda a filosofia da linguagem); e não o contrário, como querem, por exemplo, os analíticos.
Quem considera a coragem, o medo e a prudência, não está pensando em Alemão, Inglês, Grego, Português, Chinês ou Marciano… está pensando na própria vida - e nas dos outros, principalmente! E não diga que vida é linguagem, porque aí vamos brigar de verdade!
Por isso, meu caro (minha cara), a “boa técnica” da prudência, da arte de deliberar (phrónesis) vigia, controla, examina, pune, absolve, ama, chora, recua, invade, abraça, sorri, estende a mão, salva, afaga, apieda, dá, recebe…
Aristóteles (desculpe-me afirmar mais outra coisa ousada) foi quem descobriu o Super-Ego de Freud! Mas um Super-Ego mais bonzinho; aquele de Freud é meio neurótico, concorda?
Por fim, quero lembrar uma coisa: volte à frase, do Tópicos, acima. Veja e pense sobre o que significa a palavra “elegância” que Aristóteles deixou para nossa reflexão.
Veja como a elegância se impõe, quando o assunto é a arte da deliberação; numa palavra: elegância também é phrónesis.
Isto significa que, em qualquer circunstância, você nunca perderá tempo em discutir com os “envenenadores”; basta praticar filosofia ética. Como diz nosso “slogan” aqui no Blog Filosofix:
“Does you Does or Does you Don’t take Philosophy?”
:-:-:
Fonte: <http://www.filosofix.br9.biz/blogramiro/2008/02/18/compre-uma-briga-ao-lado-de-aristoteles/>.
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