sábado, 23 de abril de 2022

Entrevista com Carlo Ginzburg

Extratos de uma entrevista com Carlo Ginzburg. In: PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. As muitas faces da história - nove entrevistas. São Paulo: Unesp, 2000, p. 269-306.

Sobre a relação com os alunos e a Educação:
“Recentemente comecei um seminário na UCLA dizendo a meus alunos: ‘Na Itália há um novo movimento chamado Slow Food, em oposição a Fast Food. Meu seminário será em Slow Reading’ (...) Nada está mais distante de mim do que a idéia de ter um público composto de jovens estudantes de esquerda apaixonados pela história vista de baixo e aguardando de mim uma mensagem nessa direção (...) Sinto que ensinar é uma tarefa mais ou menos impossível, que é um processo difícil de ser articulado em palavras, mas que às vezes acontece. Talvez como cozinhar, o único meio de se ensinar algo é mostrando. Quem aprende a cozinhar só lendo um livro de receitas? Ninguém, pois é preciso observar e praticar.”

Sobre a História:
“Sou cético quanto à idéia de ser um historiador engajado. Penso que escolher tópicos só porque são os de ‘nossa época’, porque dizem respeito ao ‘hoje’, significa ter uma visão míope e provinciana da história; mesmo porque, o que parece totalmente distante da atualidade pode se tornar, repentinamente, o seu foco. Lembro-me vividamente que, em 1969, meus alunos em Roma estavam freneticamente interessados em um só evento que acontecera em Turim em 1920: a ocupação das fábricas pelos operários. Não pensavam em mais nada. E eu, trabalhando nessa época sobre a feitiçaria e os benandantti, estava a milhões de anos-luz de todos eles. No entanto, pouco tempo depois – e isso eu gosto de recordar abertamente – nas manifestações de rua, as feministas gritavam: ‘Tremate, tremate, le stregue son tornate’ (‘Tremam, tremam, as feiticeiras voltaram’).”

“A história é como a química antes de Boyle ou a matemática antes de Euclides, ou seja, não houve ainda um Galileu ou Newton que criasse um paradigma da história, e talvez jamais haja (...) Os historiadores podem dizer muitas coisas distintas e conflitantes, e ainda serem considerados profissionais da história. Uma decorrência disso é que a relevância em história não é algo imediatamente dado.”

“O processo do conhecimento é mesmo complexo e envolve elementos contraditórios. Chamei a atenção para a questão da prova, da evidência, ou seja, daquilo que o mundo de fora nos impõe (...) Nos últimos vinte anos, a idéia de prova se tornou fora de moda entre os historiadores, que, seduzidos pelas teorias que borram a distinção entre história e ficção, não mais se preocuparam em provar qualquer coisa (...) o conhecimento é possível de ser provado, mesmo o que diz respeito a verdades que nos são desagradáveis (...) Em outras palavras, acredito que há coisas que podem ser provadas, que há um lado objetivo a ser encontrado, que pode ser aceito mesmo por pessoas que trabalham com pressupostos diferentes.”

“A evidência não é uma janela aberta à realidade social (como entendem os positivistas), nem uma parede cega que nos impede de olhar para fora, para além da própria evidência (como acreditam os pós-modernistas). Ela mais se assemelha a um espelho distorcido, o que significa dizer que só nos resta descobrir para que lado está distorcendo, já que esse é o único meio que temos de ter acesso à realidade.”

“A História pode nos despertar para a percepção de culturas diferentes, para a idéia de que as pessoas podem ser diferentes e, com isso, contribuir para a ampliação das fronteiras de nossa imaginação. Disso decorreria uma atitude menos provinciana em relação ao passado e ao presente. Dito isso, devo lembrar, no entanto, que é praticamente impossível prever a reação das pessoas e que a ‘química intelectual’ envolvida na recepção da leitura é extremamente complicada.”

Sobre o ato de escrever:
“O ato de escrever está profundamente relacionado ao ato de comunicar algo a alguém, o que pode parecer óbvio, mas não é, já que há muita coisa escrita que parece ignorar completamente o público, como se a escrita fosse por si só suficiente.” (...) “Sou obcecado pela pontuação porque o significado de um texto pode ser alterado pela pontuação; ela cria ritmos diferentes, e o modo de perceber e sentir o texto é muito determinado pela pontuação.”

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