sábado, 2 de abril de 2022

Das dificuldades de se construir um parque de dinossauros no Brasil

Das dificuldades de se construir um parque de dinossauros no Brasil
21 de setembro de 20167 de agosto de 2017 por Rafael Rosset

Ano passado tivemos a estreia de mais um filme da série Jurassic Park, um misto de continuação com reboot. Mas como seria se alguém tentasse construir um parque desses aqui no Brasil (o Acre é um candidato natural), ao invés da Isla Nublar? Mais ou menos assim:

1- Para viabilizar o projeto, você vai onde todos vão: BNDES. Mas antes de chegar lá, convém financiar as campanhas do partido no poder, comprar palestras de ex-presidentes da república por R$ 400.000,00 a hora, talvez até mesmo reformar um sítio ou um apartamento aleatoriamente construído pela Bancoop, e que estranhamente nunca terá um dono; pra garantir, financie também as campanhas da oposição, cobrindo todas as frentes;

2- Depois desses passos iniciais, você começa requerendo a Licença Prévia (LP) ao órgão ambiental, que você não sabe qual é, porque o IBAMA dirá que a fiscalização de flora e fauna do mesozoico é de competência federal, ao passo que a CETESB alegará que o empreendimento gerará os poluentes compreendidos pelo Decreto Estadual 8.468/76 (claro, com a redação dada pelo Decreto 54.487, de 26/06/09, que passa a vigorar em 180 dias após sua publicação em 27/06/09). O conflito só será dirimido após a propositura de um Mandado de Segurança cuja competência será declinada por 3 juízes de primeira instância e 2 tribunais diferentes (afinal dinossauros não caíram no concurso da magistratura, logo eles não estudaram essa parte), e cuja sentença só sairá depois de uns 9 ou 10 anos, após 8 laudos periciais – todos devidamente impugnados – e depois que uma das partes desistir, morrer ou deixar de existir em virtude de lei superveniente;

3- Concedida a Licença Prévia, você vai ter que elaborar um Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental. Ele certamente será impugnado pelo Ministério Público Federal, Estadual e pela CNBB, porque pelo Princípio da Prevenção/Precaução você precisa assegurar, com certeza científica, que a urina dos dinossauros não alterará o equilíbrio ecológico das saúvas que vivem na mesma área do parque; é possível que a questão só seja dirimida pelo mesmo mecanismo judicial do item “2”, e depois de você aceitar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) leonino que te obrigará a reflorestar a Mata Atlântica inteira como parte das compensações pelo empreendimento;

4- Passada a etapa da Licença Prévia, você entra na Licença de Instalação, que permite que você finalmente comece a construir; nessa etapa, as portas do inferno das ONGs e associações se abrem, e você vai ter que enfrentar protestos do WWF, Greenpeace e da Luísa Mell, que vai ameaçar invadir o parque as 3 da manhã pra libertar os Tiranossauros da opressão inter-espécies; você será chamado de “dinossaurocrata”, fascista e outros nomes que você nem sabia que existiam ou que poderiam ser utilizados nesse contexto específico;

5- Evidentemente trazer Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) extintos de volta à vida levanta grandes questionamentos éticos, que eventualmente serão levados ao Supremo Tribunal Federal (STF) via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), com base em parecer da CTNBio. A atribuição de repercussão geral ao caso acarretará a suspensão das obras até que o processo seja pautado, 4 anos depois. Eventualmente o Supremo declarará constitucionais a fauna e a flora do Triássico, considerando que alguns dinossauros do Cretáceo foram apenas parcialmente recepcionados pela Constituição Federal de 1988, num voto elogiadíssimo proferido pelo então decano da Corte, Ministro Dias Toffoli;

6- Quando parece que as obras vão finalmente engatar, a CUT organiza uma greve geral “pela ampliação de direitos” no canteiro de obras, postulando adicional de periculosidade em grau máximo (são dinossauros, pô!), jornada de 6 horas diárias e semana de 4 dias; um ato é realizado em frente à entrada para relembrar os 20 anos do “golpe de 2016”;

7- Finalmente o parque está pronto e você, praticamente falido após 25 anos tentando obter todas as licenças e autorizações. Mas não tão rápido, afinal você ainda precisa da Licença de Operação. Pra obter essa licença você precisa do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), e pra ter o AVCB você precisa de um Projeto de Segurança Contra Incêndio e Pânico. Põe aí mais uns 2 ou 3 anos pra ter o carimbo final.

8- Agora sim, o parque abriu! 3 dias depois da inauguração você recebe a visita de um fiscal da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, que constata 4 infrações ao Decreto Municipal 54.421/2013, 7 infrações ao Decreto 42.833/03, e, bem, mais uminha aqui ao Decreto 52.209/09 (puxa, pensei que este tivesse sido revogado pelo 53.989/13). Você é autuado administrativamente e preso em flagrante enquanto o Jornal Nacional cobre toda a ação da PF ao vivo. O Parque é estatizado “a bem do interesse público” e vira o Jurassicobras, provendo dinossauros “públicos, gratuitos e de qualidade”.

É claro que tudo isso é piada. Como sabemos, no Brasil real essas coisas não acontecem com quem tenta construir uma hidrelétrica, uma estrada ou linha de metrô, né?

Rafael Rosset é advogado há 15 anos, especialista em Direito Ambiental, palestrante e articulista; perfil no Twitter; e no Facebook. Escreve no Implicante às quartas-feiras.

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