sábado, 22 de setembro de 2018

Discurso de Marco Antônio nos Funerais de César

 Charlton Heston, 1950.



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Marlon Brando, 1953.



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DISCURSO DE MARCO ANTÔNIO NOS FUNERAIS DE CÉSAR


Amigos, romanos, compatriotas, prestai-me atenção! Estou aqui para sepultar César, não para glorificá-lo. O mal que os homens fazem perdura depois deles! O bem é quase sempre sepultado com seus próprios ossos! Que assim seja com César!

O nobre Brutus vos disse que César era ambicioso. Se assim foi, era uma grave falta e César a pagou gravemente. Aqui, com a permissão de Brutus e dos demais – pois Brutus é um homem honrado, como todos os demais são homens honrados -, venho falar nos funerais de César. Era meu amigo, leal e justo comigo; mas Brutus diz que era ambicioso, e Brutus é um homem honrado. Trouxe muitos cativos para Roma, cujos resgates encheram os cofres do Estado. César, neste particular, parecia ambicioso? Quando os pobres deixavam ouvir suas vozes lastimosas, César derramava lágrimas. A ambição deveria ter um coração mais duro! Entretanto, Brutus disse que ele era ambicioso e Brutus é um homem honrado. Todos vós o viste nas Lupercais: três vezes eu lhe apresentei uma coroa real e, três vezes ele a recusou. Isto era ambição? Entretanto, Brutus disse que ele era ambicioso e, sem dúvida alguma, Brutus é um homem honrado. Não falo para desaprovar o que Brutus disse, mas aqui estou para falar sobre aquilo que sei! Todos vós já o amastes, não sem motivo. Que razão, então, vos detém, agora, para pranteá-lo? Oh! Inteligência, fugiste para os irracionais, pois os homens perderam o juízo!... Desculpai-me! Meu coração está ali com César, e preciso esperar até que ele para mim volte!

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Ainda ontem, a palavra de César podia ser mais forte do que o Universo! Agora, ali ele jaz e ninguém, mesmo que seja o mais miserável possível, não lhe presta uma só homenagem! Ó senhores, se estivesse disposto a excitar vossos corações e vossos espíritos para o motim e a cólera, seria injusto com Brutus e com Cassius, os quais, como todos vós sabeis, são homens honrados. Não quero ser injusto com eles! Prefiro ser injusto com o morto, comigo e convosco, a ser injusto com homens tão honrados! Mas aqui está um pergaminho com o selo de César. Eu o encontrei no gabinete dele: são as suas últimas vontades. Ouça somente o povo este testamento – embora, desculpai-me, não pretenda lê-lo -, e irá beijar as feridas de César morto, mergulhando os lenços em seu sangue sagrado! Mendigará um cabelo como relíquia e, quando morrer, o mencionará nos testamentos, para transmiti-lo, como precioso legado, para sua descendência.

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Sede pacientes, amáveis amigos! Não devo lê-lo! Não é conveniente que saibais quanto César vos amava! Não sois de madeira, não sois de pedra, mas sois humanos e, sendo homens, ao ouvirdes o testamento de César, ficareis inflamados, ficareis enlouquecidos. Não é bom que saibais que sois os herdeiros dele, se vós o soubésseis, oh que poderia acontecer?

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Tereis paciência? Esperareis um pouco? Fui longe demais contando-vos isto. Temo ser injusto com os homens honrados, cujos punhais feriram César! É o que temo!

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Quereis compelir-me então a ler o testamento? Pois, então, formai um círculo em torno do cadáver de César e deixai-me mostrar-vos aquele que fez o testamento. Posso descer? Vós dareis vossa permissão?

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Se tiverdes lágrimas, preparai-vos agora para derramá-las. Todos vós conheceis este manto; lembro-me da primeira vez que César o usou. Era uma tarde de verão, dentro da tenda, no dia em que venceu os nérvios. Olhai: por este lugar penetrou o punhal de Cássio! Vede que rasgão abriu o invejoso Casca! Por este, o bem-amado Brutus o feriu! E, ao retirar o maldito aço, observai como o sangue de César parece que se lançou atrás dele, como se quisesse certificar-se de que era ou não Brutus quem tão desumanamente abria a porta! Porque Brutus, como sabeis, era o anjo de César! Julgai-o, ó deuses, com que ternura César o amava! Esse foi o mais cruel de todos os golpes, pois, quando o nobre César viu que ele o feria, a ingratidão, mais poderosa do que os braços dos traidores, venceu-o completamente! Então, estalou seu poderoso coração e, cobrindo o rosto com o manto, o grande César caiu aos pés da estátua de Pompeu, onde o sangue não parava de jorrar... Oh! Que queda foi aquela, meus compatriotas! Naquele momento, eu, vós e todos caímos, enquanto triunfava sobre nós a traição sangrenta! Oh! Estais chorando agora e percebo que sentis a marca da piedade! São lágrimas generosas! Almas bondosas, porque chorais, quando só vistes ainda as feridas do manto de César? Olhai: aqui está o próprio César, como estais vendo, desfigurado pelos traidores!

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Bons amigos, amáveis amigos, não me deixeis excitar-vos com esta repentina explosão de revolta! Aqueles que consumaram este ato são homens honrados. Quais eram as queixas secretas que tinham para fazê-lo? Ai! É o que ignoro. Eles são sensatos e honrados e, sem dúvida, apresentarão a todos vós as razões que possuíam. Não vim aqui, meus amigos, para roubar vossos corações! Não sou orador como Brutus, mas como todos vós sabeis, um homem franco e simples que amava meu amigo e isso sabem perfeitamente bem os que me deram publicamente licença para falar a respeito dele. Não tenho espírito, nem palavras, nem mérito, nem ação, nem eloqüência, nem o poder da palavra capazes de excitar o sangue dos homens! Falo muito claramente e só vos digo o que todos vós já sabeis. Estou mostrando as feridas do bondoso César, pobres bocas mudas e peço-lhes que falem por mim! Se eu fosse Brutus, e se Brutus fosse Antônio, esse Antônio perturbaria a serenidade de vossos espíritos e colocaria uma língua em cada uma das feridas de César, capaz de comover e levantar em motim as pedras de Roma!

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Amigos, não sabeis o que ides fazer! Que fez César para assim merecer vossos afetos? Ai, vós o ignorais! Devo, então, dizer-vos. Esquecestes o testamento de que vos falei.

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Aqui está ele e com o selo de César. A cada cidadão romano, a cada homem, individualmente, ele lega setenta e cinco dracmas.

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Além disso, ele vos deixa todos os seus passeios, seus jardins privados, seus pomares recém-plantados deste lado do Tibre. Lega-os perpetuamente para vós e para vossos herdeiros como parques públicos, para que possais passear e divertir-vos. Aqui estava um César. Quando aparecerá outro?



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Fonte: SHAKESPEARE, William. "Júlio César". In: Obras Completas, Vol. I. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editora, 1969.

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