Mário Ferreira dos Santos
É inegavelmente de grande perplexidade a emoção que invade o homem moderno, quando perpassa os olhos pelas idéias que nos dois últimos séculos dominaram o campo da criação e do pensamento humanos.
É espantoso, sem dúvida, o número imenso de sistemas, de escolas de filosofia, de doutrinas sociais, de hipóteses e mais hipóteses, que substituem umas às outras, numa sarabanda sem fim.
Se passarmos os olhos pelas diversas épocas, verificaremos desde logo que os que mais brilharam, os que receberam o afago dos elogios fáceis, os que empolgaram mais facilmente grupos imensos de admiradores não foram os maiores de sua época, mas os menores, os que encontram um lugar inexpressivo na história do conhecimento humano.
Não é de espantar que, em Atenas, a democracia grega (que o era apenas de uma minoria de senhores e de uma maioria de escravos) condenasse Sócrates à morte, porque ele ensinara aos homens serem mais dignos, mais nobres e mais honestos? Não é de espantar que Platão permanecesse quase anônimo ante o seu povo, enquanto um Górgias, um Hipias brilhavam como luminares do saber?
E não se acusem os gregos desse defeito. Ele se repete sempre em toda a história humana. Não vimos em pleno século XVIII Hegel pontificar na Alemanha como filósofo absoluto, Krause, no fim do século passado, empolgar multidões de pensadores, Bergson brilhar no princípio deste com uma auréola que empalidecia os grandes luminares do passado, e modernamente um Sartre ser erguido às culminâncias, para em muito breve despencar-se, enquanto ainda há literatos da filosofia que ascendem um Russel, um Moritz aos pináculos do conhecimento?
Não vimos a tremenda propaganda que em nossos dias receberam vultos de medíocre valor, a ponto de serem considerados por muitos como definitivos marcos no caminho do saber, após os quais nada mais cabia para ser feito?
Quem passar os olhos pelo campo da ciência, e assiste essa enxurrada de hipóteses, que tombam, substituídas por outras que não resistem, para tombarem também, a ponto de num ano, haver tantas modificações no conhecimento científico, tantas REFUTAÇÕES, tantas substituições de teorias e hipóteses, que ninguém mais é capaz de acompanhá-las, verifica que os livros de divulgação científica tornam-se obsoletos em alguns meses.
Teorias que não resistem a uma estação são imediatamente abandonadas, depois de haverem sido saudadas como soluções definitivas.
Não é mister alongarmo-nos nos exemplos, porque são tantos e tão curiais, que não há quem não se amedronte ante a apavorante marcha do conhecimento humano, e não tem, por sua vez, que a doutrina que hoje segue como verdadeira não seja acoimada, amanhã, de erro, e abandonada afinal.
Mas o espantoso não é apenas este, porque se apenas assim acontecesse, poder-se-ia afirmar que tais fatos revelariam um desenvolvimento da capacidade humana, que tende cada vez mais para uma análise mais perfeita, tornando-se capaz de captar os erros das diversas posições, substituindo as doutrinas erradas por outras julgadas melhores, que, por sua vez penetre num campo de realizações extraordinárias, e possa alcançar afirmações definitivas.
Poder-se-ia, assim, afirmar que seria a revelação de uma saúde mental, de um vigor criador do homem: um sinal da evolução criadora do seu espírito.
Mas o que espanta é a ressurreição de velhos erros já refutados!
O que amedronta é ver antigas concepções, que foram derruídas pela análise e confutadas por rigorosas argumentações, retornarem como fantasmas, para preocuparem outra vez mentes desprovidas, a dos que desconhecem essas refutações, e se apresentarem, então, como NOVIDADES, como confecções perfeitíssimas, segundo o último modelo intelectual, provocando em mentes não devidamente a par do que já foi realizado, espasmos de satisfação, exaltações de gozo, como se fora atingida a quintessência das coisas.
Tal espetáculo é de causar dó. E causa dó, não porque tais idéias surgem em cérebros primários, em pessoas que não tiveram meios de obter melhores conhecimentos, em pensadores improvisados, mas em homens que CURSARAM UNIVERSIDADES, que ostentam como a maior façanha do mundo o seu diploma, como o maior título de glória, existente, e que é um atestado irrefutável (apenas para eles), de que são realmente sábios no assunto, senhores do saber, e que tais atestados lhes garante a AUTORIDADE NA MATÉRIA, como se alguém que já cursou uma escola superior e possui um diploma, intimamente não soubesse como se fabricam diplomados, nem tampouco o real valor de suas escolas e de muitos pseudos-mestres.
Mas, por que tais coisas se dão? Por que retornam as mesmas idéias que os sofistas gregos haviam espalhado, e que receberam a mais cabal das refutações, para surgirem agora como avatares de velhas formas mortas e ora ressurrectas? Como se compreende que posições como o cepticismo, o relativismo, o agnosticismo, desmontadas eficazmente pelos luminares do pensamento grego, conheçam hoje em dia um renascimento inesperado e encontrem cultores entre homens julgados como expoentes do conhecimento humano?
Por que doutrinas, fundadas em primários erros de Lógica, que qualquer estudante melhor avisado os evitaria, são, depois, defendidas por filósofos que adquirem renome e se propagam como se propaga a má erva?
E o que mais espanta, o que mais contrista, é que tais erros perduram, atravessam os anos, penetram pelos séculos, e surgem aos olhos de muitos como esplendorosas realizações da mente humana.
É apenas à ignorância que se devem debitar tais coisas, ou aliam-se a ela a má fé e segundas intenções? Será produto de uma deficiência do espírito, ou obedece a uma intencionalidade que não pode ser confessada?
Se se pudesse apenas debitar tais erros à má fé, naturalmente que seriam eles ignominiosos. Mas não é apenas a ela que se deve fazê-lo, mas, sobretudo, a um descaso no estudo da Lógica, a uma falta de melhor raciocínio, a ignorância do que já se fez nesse terreno. E quando são estes os motivos que os geram, tais erros são apenas de lamentar. Realmente causa dó o espetáculo que se assiste.
Mas o pior não está apenas na messe de erros, se tais erros não fossem fatores de maiores males para a humanidade. O deplorável em tudo isso é que tais erros se multiplicam, geram atitudes e tomadas de posições, que têm arrastado os homens a sérios conflitos, e muitos cadafalsos foram erguidos para liquidar os que não seguem tais posições. Muitos crimes se praticaram em nome de tais erros, e muito sangue se derramou por culpa deles.
Esta a razão por que se impõe denunciá-los. É mister que os mostremos à luz meridiana, que os escalpelemos com todo o rigor, para que a calva nua transpareça plenamente. É mister advertir os bem intencionados para que não sejam vítimas de tais erros, para que possam compreender por que a perplexidade avassala o homem moderno, entendendo, então, por que tais erros se repetem e conquistam adeptos. É mister fazer essa obra de denúncia, por que não é mais possível deixar que tantos males se repitam e se multipliquem.
O que empreendemos nesta obra é essa denúncia. Queremos apenas contribuir para avisar os bem intencionados para que se livrem da ação maléfica daqueles que perturbam a inteligência humana, obnubilando-a com tantos vícios, a fim de permitir que muitos possam escolher, mas escolher com responsabilidade, entre o que é errado e o que é certo. Não terão amanhã o direito de alegar ingenuidade ou ignorância, porque patenteado o erro, debruçar-se sobre ele e segui-lo é indício de mau caráter ou de morbidez.
Com essa intenção construtiva foi realizada esta obra."
:-:-:
Fonte: Introdução de "A Origem dos Grandes Erros Filosóficos".
É inegavelmente de grande perplexidade a emoção que invade o homem moderno, quando perpassa os olhos pelas idéias que nos dois últimos séculos dominaram o campo da criação e do pensamento humanos.
É espantoso, sem dúvida, o número imenso de sistemas, de escolas de filosofia, de doutrinas sociais, de hipóteses e mais hipóteses, que substituem umas às outras, numa sarabanda sem fim.
Se passarmos os olhos pelas diversas épocas, verificaremos desde logo que os que mais brilharam, os que receberam o afago dos elogios fáceis, os que empolgaram mais facilmente grupos imensos de admiradores não foram os maiores de sua época, mas os menores, os que encontram um lugar inexpressivo na história do conhecimento humano.
Não é de espantar que, em Atenas, a democracia grega (que o era apenas de uma minoria de senhores e de uma maioria de escravos) condenasse Sócrates à morte, porque ele ensinara aos homens serem mais dignos, mais nobres e mais honestos? Não é de espantar que Platão permanecesse quase anônimo ante o seu povo, enquanto um Górgias, um Hipias brilhavam como luminares do saber?
E não se acusem os gregos desse defeito. Ele se repete sempre em toda a história humana. Não vimos em pleno século XVIII Hegel pontificar na Alemanha como filósofo absoluto, Krause, no fim do século passado, empolgar multidões de pensadores, Bergson brilhar no princípio deste com uma auréola que empalidecia os grandes luminares do passado, e modernamente um Sartre ser erguido às culminâncias, para em muito breve despencar-se, enquanto ainda há literatos da filosofia que ascendem um Russel, um Moritz aos pináculos do conhecimento?
Não vimos a tremenda propaganda que em nossos dias receberam vultos de medíocre valor, a ponto de serem considerados por muitos como definitivos marcos no caminho do saber, após os quais nada mais cabia para ser feito?
Quem passar os olhos pelo campo da ciência, e assiste essa enxurrada de hipóteses, que tombam, substituídas por outras que não resistem, para tombarem também, a ponto de num ano, haver tantas modificações no conhecimento científico, tantas REFUTAÇÕES, tantas substituições de teorias e hipóteses, que ninguém mais é capaz de acompanhá-las, verifica que os livros de divulgação científica tornam-se obsoletos em alguns meses.
Teorias que não resistem a uma estação são imediatamente abandonadas, depois de haverem sido saudadas como soluções definitivas.
Não é mister alongarmo-nos nos exemplos, porque são tantos e tão curiais, que não há quem não se amedronte ante a apavorante marcha do conhecimento humano, e não tem, por sua vez, que a doutrina que hoje segue como verdadeira não seja acoimada, amanhã, de erro, e abandonada afinal.
Mas o espantoso não é apenas este, porque se apenas assim acontecesse, poder-se-ia afirmar que tais fatos revelariam um desenvolvimento da capacidade humana, que tende cada vez mais para uma análise mais perfeita, tornando-se capaz de captar os erros das diversas posições, substituindo as doutrinas erradas por outras julgadas melhores, que, por sua vez penetre num campo de realizações extraordinárias, e possa alcançar afirmações definitivas.
Poder-se-ia, assim, afirmar que seria a revelação de uma saúde mental, de um vigor criador do homem: um sinal da evolução criadora do seu espírito.
Mas o que espanta é a ressurreição de velhos erros já refutados!
O que amedronta é ver antigas concepções, que foram derruídas pela análise e confutadas por rigorosas argumentações, retornarem como fantasmas, para preocuparem outra vez mentes desprovidas, a dos que desconhecem essas refutações, e se apresentarem, então, como NOVIDADES, como confecções perfeitíssimas, segundo o último modelo intelectual, provocando em mentes não devidamente a par do que já foi realizado, espasmos de satisfação, exaltações de gozo, como se fora atingida a quintessência das coisas.
Tal espetáculo é de causar dó. E causa dó, não porque tais idéias surgem em cérebros primários, em pessoas que não tiveram meios de obter melhores conhecimentos, em pensadores improvisados, mas em homens que CURSARAM UNIVERSIDADES, que ostentam como a maior façanha do mundo o seu diploma, como o maior título de glória, existente, e que é um atestado irrefutável (apenas para eles), de que são realmente sábios no assunto, senhores do saber, e que tais atestados lhes garante a AUTORIDADE NA MATÉRIA, como se alguém que já cursou uma escola superior e possui um diploma, intimamente não soubesse como se fabricam diplomados, nem tampouco o real valor de suas escolas e de muitos pseudos-mestres.
Mas, por que tais coisas se dão? Por que retornam as mesmas idéias que os sofistas gregos haviam espalhado, e que receberam a mais cabal das refutações, para surgirem agora como avatares de velhas formas mortas e ora ressurrectas? Como se compreende que posições como o cepticismo, o relativismo, o agnosticismo, desmontadas eficazmente pelos luminares do pensamento grego, conheçam hoje em dia um renascimento inesperado e encontrem cultores entre homens julgados como expoentes do conhecimento humano?
Por que doutrinas, fundadas em primários erros de Lógica, que qualquer estudante melhor avisado os evitaria, são, depois, defendidas por filósofos que adquirem renome e se propagam como se propaga a má erva?
E o que mais espanta, o que mais contrista, é que tais erros perduram, atravessam os anos, penetram pelos séculos, e surgem aos olhos de muitos como esplendorosas realizações da mente humana.
É apenas à ignorância que se devem debitar tais coisas, ou aliam-se a ela a má fé e segundas intenções? Será produto de uma deficiência do espírito, ou obedece a uma intencionalidade que não pode ser confessada?
Se se pudesse apenas debitar tais erros à má fé, naturalmente que seriam eles ignominiosos. Mas não é apenas a ela que se deve fazê-lo, mas, sobretudo, a um descaso no estudo da Lógica, a uma falta de melhor raciocínio, a ignorância do que já se fez nesse terreno. E quando são estes os motivos que os geram, tais erros são apenas de lamentar. Realmente causa dó o espetáculo que se assiste.
Mas o pior não está apenas na messe de erros, se tais erros não fossem fatores de maiores males para a humanidade. O deplorável em tudo isso é que tais erros se multiplicam, geram atitudes e tomadas de posições, que têm arrastado os homens a sérios conflitos, e muitos cadafalsos foram erguidos para liquidar os que não seguem tais posições. Muitos crimes se praticaram em nome de tais erros, e muito sangue se derramou por culpa deles.
Esta a razão por que se impõe denunciá-los. É mister que os mostremos à luz meridiana, que os escalpelemos com todo o rigor, para que a calva nua transpareça plenamente. É mister advertir os bem intencionados para que não sejam vítimas de tais erros, para que possam compreender por que a perplexidade avassala o homem moderno, entendendo, então, por que tais erros se repetem e conquistam adeptos. É mister fazer essa obra de denúncia, por que não é mais possível deixar que tantos males se repitam e se multipliquem.
O que empreendemos nesta obra é essa denúncia. Queremos apenas contribuir para avisar os bem intencionados para que se livrem da ação maléfica daqueles que perturbam a inteligência humana, obnubilando-a com tantos vícios, a fim de permitir que muitos possam escolher, mas escolher com responsabilidade, entre o que é errado e o que é certo. Não terão amanhã o direito de alegar ingenuidade ou ignorância, porque patenteado o erro, debruçar-se sobre ele e segui-lo é indício de mau caráter ou de morbidez.
Com essa intenção construtiva foi realizada esta obra."
:-:-:
Fonte: Introdução de "A Origem dos Grandes Erros Filosóficos".
Nenhum comentário:
Postar um comentário