domingo, 9 de abril de 2023

Leitura: liberdade e diferença

Por Juan Perucho

A comunicação de massas (televisão, rádio, cinema) nos torna iguais, nos uniformiza, e assim nos encontramos rindo das mesmas piadas e afinal pensando da mesma maneira. A leitura, pelo contrário, nos liberta e possibilita a meditação daquilo que vamos lendo.

É evidente que, sem leitura, não surge afeição à cultura. Portanto, é preciso começar a leitura bem cedo, e o interesse virá gradualmente, por menos predisposição que se tenha. É muito importante — ao menos, parece-me — ganhar gosto pela leitura, não só pelo prazer estético que ela cria e dá, mas também pela cultura geral que proporciona.>

A leitura é o veículo normal e insubstituível da cultura: é a cultura da letra impressa. Nos últimos tempos, vem-se falando de outras “culturas”, como a da imagem e do som, mas é evidente que, sem o substratum da escrita, não conseguem ser cultura. Até a ação de estudar é, normalmente, leitura. Observa se que, para a cultura da imagem, é determinante a educação do olhar, assim como, para a do som, a educação do ouvido; mas ambas não serviriam de nada sem a implícita relação com a educação em geral e, mais especificamente, com a cultura crítica. E esta nos vem dada pela leitura, que inclui alusões e até ironias.

Entretanto, nessa viagem iniciática devem ser tidas em conta as considerações que T.S. Eliot faz nas suas Notas para uma definição de cultura, ao dizer que o termo “cultura” tem diferentes acepções conforme consideremos o desenvolvimento de um indivíduo, de um grupo, de uma classe ou de toda uma sociedade. Por outro lado, também é preciso olhar para os diversos tipos de realizações.

Estamos, pois, diante de um fato complexo. Podemos tomar em consideração — diz Eliot — o refinamento das maneiras, ou a urbanidade e civilidade: e nesse caso, estaremos pensando numa classe social. Ou então podemos pensar em erudição: nesse caso, homem de cultura será o enciclopédico. Ou podemos pensar na Filosofia, em seu sentido mais amplo, ou num interesse pelas idéias abstratas, com alguma experiência na sua concatenação, e então podemos estar-nos referindo ao intelectual.

Passemos agora a uma tentativa de analisar o efeito negativo que os meios de comunicação audiovisuais produzem no âmbito da leitura. Consideremos leitura nos obriga a fazer uma espécie de “ginástica mental”. Nada nos é dado de mão beijada. O acesso à cultura é, no princípio, um tanto áspero e ascético: requer um esforço que não pode ser superficial. Ora, a televisão ou o rádio oferecem-se de maneira tão cômoda e fácil que mesmo os adeptos da leitura se sentem cativados pelas suas imagens sugestivas, e isto é extremamente grave.

A cultura é, no fundo, um repertório de possibilidades. Proporciona os dados para que cada pessoa, escolhendo os de acordo com o seu modo de ser e a sua sensibilidade, se enfrente a si mesma. Como não se pode ler tudo, acaba se por assimilar aquilo que fundamentalmente convém a cada um. A cultura que as escolas e Universidades nos oferecem não nos dá um nível superior, mas sim diverso: todo mundo certamente lerá Shakespeare ou Cervantes, Goethe ou Rilke, mas alguns aprofundarão mais em Balzac ou em Dickens, em Leopardi ou em Kafka. Todo mundo sabe quem é quem, mas mesmo assim cada qual se nutre das suas afinidades: Lúlio ou Bacon? Dostoievski ou Eça de Queiroz? Machado ou Valéry? Entre dois autores, o déficit de um e a abundância do outro provoca nossas diferenças. Somos diferentes porque, apesar do nível idêntico dos nossos computadores culturais, bebemos em fontes distintas: conhecemos Platão, sim, mas não Zenão de Eléia.

Isto nos torna diversos e divertidos. A comunicação de massa (televisão, rádio, cinema) torna-nos iguais, uniformiza-nos, e assim nos encontramos rindo das mesmas piadas e, no fim das contas, pensando da mesma maneira. A leitura, pelo contrário, liberta-nos e possibilita a meditação daquilo que lemos.

Defendo um conceito de cultura como prática da tolerância, e sinto-me inclinado a afirmar que uma pessoa culta (que se fez através da cultura) é capaz de debater os problemas mais complexos sem se alterar. Sente se tolerante e livre. Em contrapartida, quando a televisão se pronuncia sobre alguma coisa, parece conferir-lhe o status de “coisa julgada”; transmite a impressão de uma autoridade absoluta, e isso evidentemente é um mal. A partir daí, inicia se um processo de homologação massiva que só se pode alterar melhorando os conteúdos culturais da mesma TV.

Isso, porém, é um peixe que come a própria cauda. Quem manda? Os promotores culturais ou o público? Dentro do mundo estritamente cultural, também se formula a mesma pergunta. Quem manda? O escritor ou o editor? Atualmente, tende se a vender o livro como um simples produto manufaturado pelas grandes editoras, com marketing e promoção publicitária intensíssimas. No fim, acaba-se editando aquilo que o grande público quer. Livros são vendidos em liquidação ou são destruídos. Às vezes, só existem para intimidar um autor ou castigá lo por não obedecer a determinadas exigências editoriais.

Tudo o que acabamos de dizer serve de apelo às instituições responsáveis e conscientes do problema, recomendando lhes que promovam a formação de bibliotecas públicas e privadas, e cuidem de que as pessoas leiam e amem o livro, estimuladas pelos educadores, que são quase os únicos que podem inculcar o amor ao livro e à sua leitura. Não basta amar os livros como produtos de cultura, mas é preciso fazê lo como uma babá: levantá los do chão, tirá los das estantes das bibliotecas, sentir o perfume das suas tintas, acariciá los, contemplá los como autênticas jóias. Somente então poderemos recuperar a grande tradição cultural do Ocidente, que estamos perdendo muito depressa

Tradução: Quadrante

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