domingo, 29 de março de 2020

Sobre o Governo dos Reis

Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, O.P.

Prefácio ao opúsculo de São Tomás de Aquino, Paris, 1926.



Em uma época na qual não consideram mais a política como virtude, nem como prudência ordenada à promoção do bem comum da comunidade, mas antes a arte de transigir para conseguir e salvaguardar os interesses do partido, oprimindo a flor dos cidadãos e obrando a ruína do país, é de grande utilidade a publicação da tradução do De Regimine Principum, de São Tomás, ou pelo menos do Livro I e dos quatro primeiros capítulos do Livro II, que com certeza são dele.







Remete aqui o “Doutor Angélico” da Igreja aos primeiros princípios da vida social e política. Antes do mais, relembra da razão profunda por que o homem é um ser sociável. Esta é uma de suas propriedades, que se deduz da definição “animal racional”. A inteligência do homem, a última entre as inteligências, só consegue captar seu objeto de modo confuso e geral, e de ordinário não o logra sem o auxílio de um mestre com os conhecimentos necessários para uma vida intelectual minimamente decente, sequer os primeiros teoremas da geometria, de que se serve o carpinteiro em seu trabalho. Citam o infante Pascal como gênio por tê-los encontrado com o esforço próprio, sem ajuda de ninguém.



“O homem, diz São Tomás, conhece naturalmente o necessário para viver, mas apenas de modo geral. Deste modo, por meio da razão e dos princípios universais, pode ele alcançar o conhecimento dos objetos particulares necessários à vida, mas não é possível ao homem solitário abarcar pela razão todos os objetos desta ordem. Por isso, é necessário que os homens vivam juntos para se ajudarem entre si, consagrando-se a ocupações diversas, de acordo com a diversidade dos talentos: um se dedica à medicina, outro a isto, outro àquilo” (cap. 1). Não se trata de um “contrato social” livremente consentido, antes a conseqüência necessária da natureza; depois da autoridade social, sem a qual seria impossível a vida em sociedade, vem a de Deus, autor da natureza humana, ainda que pertença aos homens designar aquele ou aqueles que detêm o poder.



A finalidade da sociedade assim constituída é, em conseqüência, o bem comum, que é superior ao bem próprio de cada um, sendo assim contrário ao individualismo, mas que nem por isso deve anulá-lo, como pretende o comunismo. “O bem comum da multidão é maior e mais divino que o de um só.” (cap. 9). A paz é a tranqüilidade da ordem, na cidade ou nação.



Não é ele apenas um bem útil, como o produto da arte do cozinheiro, do costureiro, do relojoeiro ou do médico; também é um bem honesto, que vale em si mesmo, por sua implicação na ordem moral, independente do prazer e das utilidades materiais que resultam dele.



O bem honesto é capaz de especificar não somente uma arte, mas também uma virtude, até mesmo virtudes eminentes: a prudência dos potentados de estado; a prudência política necessária aos cidadãos para, ao menos, bem votar; a justiça legal ou social; a eqüidade. São Tomás tratou de cada uma dessas virtudes na Suma Teológica, IIa IIae, q. 50, ª1, 2; q. 58, a. 7; q. 120, ª 1, 2, exibindo o alcance da doutrina exposta no De Regimine Principum.



O bem honesto, objeto das virtudes superiores, está subordinado qual as demais virtudes à religião, ao culto devido a Deus, e às virtudes teologais ou propriamente divinas, que nos unem a Deus e nos dispõem assim à vida da eternidade.



Segue-se daí que um governo (regimen) é bom na medida em que consegue promover o bem comum da multidão, conservando a unidade e a harmonia da sociedade, conforme a subordinação natural dos fins. Ao contrário, ele é mau, se persegue um bem particular oposto ao bem comum, causando discórdia.



Ora, para se inclinar a um único fim, sobretudo quando ele é superior e difícil de se concretizar em meio às muitas causas de divisão, é preciso que haja unidade na direção, e espírito de continuação. Tal unidade decuplica as forças, fazendo-as convergir para a mesma finalidade; desta forma, o governo retira forças de sua unidade, que deve ser firme, assim acreditamos, desde que os inimigos externos ou internos ameacem o povo. Ao contrário, quando fraqueja o espírito de continuidade, na política interior ou na política exterior, e os ministros desmancham a obra dos predecessores, o país se arruina rapidamente.



“Segue-se daí, diz São Tomás (cap. 3), que a monarquia é o melhor dos governos”, o mais uno, durável e poderoso para promover o bem comum; “a monarquia, afirma ele ibid, é melhor que o regime aristocrático, e este melhor que a república”. Sustenta ele idêntica doutrina na Suma Teológica, em que se escreve, Ia, q. 103, a. 3, acerca do governo do universo: “Optima gubernatio est quae fit per unum”. O melhor governo é o governo de um só. Governar é guiar um conjunto de súditos em direção a um fim, ou a um bem. Ora, o bem supõe a unidade, como prova Boécio, quando demonstra que, assim como todos desejam o bem, também desejam a unidade sem a qual não subsistiriam. De fato, testemunhamos que a todo objeto, na medida em que ele é, repugna o deixar-se dividir; a dissolução sempre provém de algum defeito ou corrupção. Deste modo, a unidade ou paz está contida na finalidade para a qual se inclina a intenção do governador da multidão. Ora, só o que em si é uno, é causa da unidade. Muitos só conseguem unir e concordar elementos diferentes entre si, se de alguma forma estiverem unidos. O que em si é uno pode causar a unidade com mais eficácia do que aquilo que precisa da união. Eis porque a multidão se governa melhor por um só do que por muitos.”



Como se diz na presente obra (cap. 3), em virtude do princípio optimi corruptio pessima, a tirania é pior que a oligarquia, que é a degenerescência do poder aristocrático, e a oligarquia pior que a democracia, que é, segundo a terminologia de São Tomás, a alteração ou a corrupção da república.



Os desmandos da tirania se deixam perceber tanto na ordem espiritual quanto na ordem temporal: “Quem ambiciona mais comandar que contribuir para o interesse geral, paralisa qualquer iniciativa dos súditos: a superioridade dos tiranos tornam-nos injustamente desconfiados, por causa de sua dominação iníqua. Eles desconfiam mais dos bons que dos maus, a virtude de outrem sempre lhes parece temível; dedicam-se a abafar em seus súditos esta grandeza d’alma, fruto da virtude, que impediria a estes de suportar o jugo da injusta dominação”.



Entretanto, acrescenta São Tomás (cap. 5) que se o governo de um só, ao se tornar tirânico, não se voltar contra a multidão de modo desordenado, é ainda preferível aos demais. O governo coletivo, desde que nele se introduza a discórdia, transforma-se no mais das vezes em opressão. Resulta daí que é mais vantajoso viver sob o governo de um rei, pois é o melhor regime. Encontramos a mesma conclusão em Contra Gentes, 1. IV, c. 76, n.º 4, acerca do governo da Igreja.



A questão principal está em evitar as ocasiões de a monarquia degenerar em tirania. Para tanto, diz São Tomás, o poder dos reis deve ser mitigado. Ele desenvolve a idéia na Suma Teológica (Ia IIae, q. 105, ª 1), demonstrando que convém existir logo abaixo do rei uma aristocracia, cujos membros sejam eleitos pelo povo, inclusive dentre pessoas do próprio povo.



São Tomás (Sum. Teol. Ia II ae, q. 95, ª 4), depois de enumerar os diferentes regimes e o modo de instituição das leis em cada um deles (1º monarquia e constituição dos príncipes; 2º aristocracia e decisões dos sábios, ou senadores; 3º oligarquia e direito pretoriano; 4º democracia e plebiscito; 5º tirania sem justiça nem lei verdadeira), acrescenta: “Est autem aliquod reginem ex istis com mixtum quod est optimum: et secundum hoc sumitur lex, ‘quam majores natu simul cum plebibus sanxerunt’, ut Isidorus dicit in I. V. Etym, c. 10”. Entende Caetano em seu comentário esta última frase como a dizer que, apesar de a monarquia ser o melhor dos regimes simples, o regime misto, que dá junto ao rei um espaço à aristocracia e aos representantes do povo, é o melhor não só em razão da ratione regiminis et simpliciter, mas também pela boa disposição das partes e da ordem dos assuntos puramente humanos.



Realmente, convém que se imprima oficialmente no governo a variedade das necessidades e dos interesses dos diferentes ramos do comércio, da indústria, da agricultura, das artes e até das diversas ciências, inclusive as ciências morais e políticas, sem esquecer os assuntos eternos da religião. A paz, enfim, que todo governo deve tentar promover e conservar, é resultado da vida social regrada conforme as manifestações que acabamos de descrever. O bem comum, que denomina São Tomás amiúde pela expressão bene vivere, não se limita à ordem da vida econômica, mas compreende a vita secundum virtutem. Este bem comum é a harmonia da vida social em toda a amplitude e elevação; é a vida social segundo a virtude, e sobretudo segundo a sabedoria, a prudência e a justiça, subordinadas à religião, que nos relembra com insistência que Deus é o fim último do homem.



Eis porque, sob o Ancien Régime em França, os interesses das diferentes classes da sociedade e das diferentes regiões estavam representados nas corporações e em seus delegados, nos estados provinciais - e nos estados gerais, que eram a reunião do clero, da nobreza e do terceiro-estado.



Finalmente, para que o regime monárquico não degenere em tirania, o rei precisa de conservar uma idéia elevada do poder que lhe vem de Deus. Assim, insiste sobremaneira São Tomás sobre as virtudes necessárias ao rei. Em primeiro lugar, são a prudência (prudentia regnativa), a justiça e a eqüidade, ordenadas ao bem comum; além disso, ele há de ter grandeza d’alma, ser magnânimo, elevar-se acima do desejo, da voluptuosidade e da riqueza, e sobretudo acima da glória e das honrarias. Ademais, as honrarias nunca seriam suficientes para compensar as graves preocupações do cargo (cap. 7). O rei, munido de grande espírito de fé, deve esperar sua recompensa de Deus (cap. 8), e somente a posse de Deus torná-lo-á verdadeira e plenamente feliz.



Segundo a Escritura, os reis prudentes e justos merecem receber na outra vida uma recompensa eminente, pois se requer grande virtude para governar um reino, maior que aquela para governar uma família ou dirigir-se a si; a São Tomás é cara a citação da palavra de Bias: “o poder revela o homem” e demonstra quanto vale sua virtude. Um rei cristão que trabalha para promover o bem comum temporal, subordinando-o ao bem espiritual e sobrenatural das almas, merece grande recompensa na eternidade, e cá embaixo a afeição profunda dos súditos, e a lealdade e devoção até ao ponto do sacrifício da vida. Desta maneira, assegura ele o poder, e mantém a paz e a tranqüilidade da ordem, para que todos possam se dedicar à lida diária, ao cumprimento dos deveres, e seguir seu destino através do conhecimento e do amor de Deus.



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Em linhas gerais, é esta a divisão da obra, saída das mãos do próprio São Tomás. Para entender a lição, sobretudo a que se refere à prudência política, deve-se conhecer o que está dito na Suma Teológica, Iia IIae, q. 47, acerca da prudência em geral, da retidão de intenção que ela requer e de seus três atos: o conselho, que começa pela deliberação; o julgamento prático, que a perfecciona; e o mandamento ou imperium, que preside a execução da decisão.



O conselho aprecia os diversos meios capazes de se chegar a um fim, e aqui importa ter em mente meios mui distintos uns dos outros, para em seguida julgar com conhecimento de causa qual é verdadeiramente o melhor. Não se pode esquecer que o melhor meio nem sempre é o primeiro que se apresenta à alma; no mais das vezes, ele escapa à consideração do vulgo. Até o chefe de estado mais perspicaz e sábio precisa, por isso, de ter a seu lado um conselho, composto de homens superiores, de competências diferentes. A este conselho convém a proposição de recomendações mui variadas umas das outras, para explorar os diversos lados de cada questão, e pesar os prós e os contras conforme a arte.



Em seguida, há de se extrair da multiplicidade de recomendações a unidade do julgamento prático, que discerne, hic et nunc, dentre os meios propostos como úteis e verdadeiros, qual é o melhor. O mais importante aqui é não comprometer, com intermináveis discussões entre partidos, a unidade e a retidão do julgamento prático, mas salvaguardar, como dizíamos acima, o espírito de continuidade na política interna e externa, não somente durante um período curto, mas por toda a história daquele povo, que deve permanecer fiel a seu passado, a seu gênio próprio, para conservar o tesouro das tradições e da vida.



Para obter esta unidade do julgamento prático, este espírito de continuidade na direção dos negócios internos e externos, e sobretudo para manter a eficácia do mandamento, que é o terceiro ato da prudência, força é recordar o que diz São Tomás na presente obra: a ordem dos agentes corresponde à ordem dos fins; para alcançar o fim superior, o bem comum do povo, para lhe conservar a unidade e a harmonia em meio a tantas causas de divisão, convém recorrer à uma direção superior verdadeiramente una e perseverante.



Demais, notemos que o imperium ou o mandamento, que dirige a execução dos meios previamente escolhidos, procede no sentido inverso da deliberação: em lugar de descer da consideração do fim pretendido até ao ínfimo dos meios subordinados, começa por se aplicar ao último dos meios, elevando-se a pouco e pouco até os meios superiores capazes de concretizar ou obter o fim perseguido: Finis est primum in interntione et ultimum in executione. Desse ponto de vista, compreende-se que na ordem da execução, e não no da intenção, é lícito dizer: “antes de tudo, política”; para que seja possível a vida social, é necessário que a cidade ou o país seja habitável e os agitadores expulsos ou corrigidos.



Convém também ter em mente, como ensina o Doutor Comum (Ia IIae, q. 57, ª 5, concl., ad 3m; q. 58, ª 4 e 5; Iia IIae, q. 47, ª 1), que a prudência, nestes três atos, requer a retidão do apetite ou a intenção reta, i. é, as virtudes morais que nos retificam frente aos principais fins morais subordinados: a justiça, a força, a temperança e demais virtudes anexas, incluindo a religião, a humildade, a penitência, a magnanimidade, a paciência e a mansidão. Ninguém consegue ser verdadeiramente prudente sem essas virtudes. Sem elas e sem a sensibilidade que elas proporcionam, as pessoas confundem com facilidade humildade e fraqueza, magnanimidade e soberba, mansidão e pusilanimidade, fortaleza e inflexibilidade. Ainda, sem a intenção reta e eficaz dos fins morais, ninguém obtém êxito na escolha e na aplicação dos meios capazes de atingi-los, nem alcança o imperium reto e eficaz, que é o ato principal da prudência.



Ora, se funciona assim com a prudência na vida privada, com maior razão há de funcionar quando se trata, pois que mais difícil, de governar um povo inteiro. Não haveria prudência política sem a justiça, a eqüidade, a força e as outras virtudes que constituem o equilíbrio da vida política e moral. São raras as verdadeiras virtudes, ainda que muitos pretendam possuí-las, diz São Tomás (cap. 7), citando junto com Salústio que “a ambição já levou inúmeros mortais à falsidade”, à simulação ou à hipocrisia. Por isso, qualquer regime que favoreça a ambição dos demagogos, que enaltecem o povo para alcançar o poder, conduz ao farisaísmo político e à ruína, pois a união durável só sobrevive na verdade e na justiça.



Para que possa durar, supõe o regime republicano grandes virtude e competência dos súditos, chamados a participar, por meio das eleições, da direção do país. Quando se trata apenas de um mero cantão, com interesses singelos, ou de uma federação de cantões, como a Suíça, não existe muita dificuldade. Mas se respeita a um grande povo, com interesses complexíssimos, que possua, para além da vida econômica, uma vida artística e intelectual superior e que, em meio a muitas causas de divisão, deva salvaguardar a unidade e a continuidade das tradições, aí então aumentam terrivelmente as dificuldades. Como encontrar entre os súditos, cuja maioria é formada de camponeses ou de operários, a competência e a virtude necessárias para escolher os homens capazes de responder às questões complicadas que se impõem e muitas vezes derrotam os jurisconsultos, os financistas ou os diplomatas mais graduados. Na maioria dos casos, as eleições designarão oportunistas e ambiciosos incompetentes, que se tornarão ministros, quando o necessário seria um Colbert, um Valban ou um Louvois.



Agradava muito a um discípulo de São Tomás resumir a doutrina sobre a questão do regime, dizendo: “Regimen perfectum in ratione regiminis, scilicet monarchia, este regimen imperfectorum; dum regimen imperfectum, scilicet démocratia, est regimen perfectorum”.



A democracia é um regime imperfeito, como regime in ratione regiminis, por causa da falta de unidade e de continuidade na direção dos negócios internos e externos. Assim, esse regime só convém aos perfeitos já capazes de dirigirem-se a si, virtuosos e competentes para se pronunciar como convém acerca de problemas complicados, dos quais dependem a vida de um grande povo. Mas, como apontava São Tomás, é normal que tais virtude e competência sejam extremamente raras; a democracia não é capaz de dá-las, ainda que presumíssemos todos os súditos virtuosos. Daí, a democracia estar para a política como o quietismo para a espiritualidade: presume ela um homem chegado à idade adulta ou ao estado de perfeição, quando talvez não passe de uma criança; tratando-o como se fora perfeito, ela não lhe dá condições para que ele realmente torne-se um.



Porque a verdadeira virtude, unida à verdadeira competência, é artigo raro entre homens, porque a maioria é incompetente para governar, e por isso necessitam de condução, o regime que mais lhes convém é aquele capaz de suprir sua imperfeição. Ce regimen perfectum in ratione regiminis, em razão da unidade, da continuidade, e da eficácia na condução a um fim uno e difícil de concretizar, é a monarquia, sobretudo uma monarquia mitigada, sempre atenta às formas distintas da atividade nacional. Ela assegura, melhor que a democracia ou o regime feudal, a paz interna e externa de uma grande nação, permitindo-lhe durar muito tempo.



Como demonstra à evidência a presente obra, esta é a doutrina de São Tomás. A importância destas idéias aparece a todos aqueles que consideram a paz interna e externa do povo uma das principais condições da vida moral e religiosa. Ela não é indiferente: existe uma verdade na ordem política assim como na ordem moral e metafísica; e se nem sempre podemos demonstrá-la, é importante aproximar-se disso o mais possível. A união durável das inteligências e das vontades só se concretiza na verdade, sem a qual é possível haver, segundo a lei do número, uma coleção de egoísmos prestes a reivindicar uma liberdade que degenera em licenciosidade, mas não existiriam a justiça e o bem comum, que são o princípio e o fim da ordem social.



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Talvez seja assim, dirão, mas São Tomás escrevia na época de São Luís, quando a França gozava os benefícios de uma monarquia cristianíssima, mitigada pela aristocracia local conservadora e a organização das comunas, que cuidavam dos interesses do povo, em diferentes regiões. Deste então, os tempos mudaram; muitos povos, como a França, vivem em democracias, e consideram o sufrágio universal uma conquista e, não obstante os inconvenientes deste sufrágio (inconvenientes de que só se beneficiam a elite), não estão dispostos a renunciar. A questão de fato é portanto muito mais complexa que a dos princípios: existe uma margem entre teoria e prática, entre as considerações abstratas e as direções hic et nunc, oportunas e eficazes.



Isto é o que explica a grande prudência e a longanimidade da Igreja nestes temas, como o demonstram as concordatas; eis porque a implantação da ditadura em um país, ainda que muitos a desejem, só se deve tentar com absoluta certeza, sem o quê faria mais mal que bem.



Entretanto, o importante é retornar à consideração atenta dos princípios que enuncia São Tomás neste tratado, e que muitas pessoas aplicam em todo regime legítimo. Os princípios relativos ao bem comum e à sua subordinação ao fim último do homem opõem-se à concepção pagã do Estado Moderno, que se origina na Revolução, Estado este que se quer acima dos organismos naturais, como a família, para lhes jugular, e que muitas vezes pretende impor a obediência cega aos decretos injustos e ímpios, que de lei só tem o nome.



O Soberano Pontífice, em sua última encíclica sobre a Realeza do Cristo, atentava contra este conceito anticristão e antinatural do Estado: “Os homens reunidos em sociedade estão sob o poder do Cristo, tanto quanto os particulares. O bem privado e o bem comum emanam da mesma fonte... Não recusem os chefes das nações prestar, por si e pelo povo, as homenagens públicas de respeito e obediência ao poderio do Cristo, salvaguardando sua autoridade, promovendo e aumentando a prosperidade da pátria!... Como os homens excluíssem Deus e Jesus Cristo da legislação e dos negócios públicos, e não tirassem mais a autoridade de Deus, mas de si mesmos, escrevíamos entre gemidos no começo de Nosso Pontificado, acabaram por inverter os alicerces da autoridade, uma vez que suprimiram a razão fundamental do direito que uns têm de comandar, e do dever que outros têm de obedecer...” Assim, se reconhecessem os homens, em particular e em público, o poder de realeza do Cristo, daí resultaria necessariamente benefícios incríveis, que logo penetrariam a sociedade civil, como a justa liberdade, a ordem e a tranqüilidade, a concórdia e a paz”.



Tais são os fundamentos desta doutrina, sem a qual nenhuma forma de governo tem a duração que o De Regimine Principium demonstrou com propriedade; a meditação destes princípios redescobertos saneará as inteligências, e se assim não for, não há restauração possível para a ordem social.



Tradução: Permanência

Fonte:
www.salve-regina.com
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